Amazônia: para além do garimpo (parte 1)

"Chega de mimetismo, temos na Amazônia muitos produtos da flora, muitas riquezas, muitos ouros”

Foto de Silas Laurentino registro sobre garimpo na comunidade Rosarinho em Autazes

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*

Publicado em: 11/12/2021 às 06:03 | Atualizado em: 11/12/2021 às 06:03

Não há no mundo outra região com maior diversidade biológica do que a Amazônia.

Na verdade, temos, aqui no Brasil, a maior biossociodiversidade do planeta, com riquezas incomensuráveis que superam com folga o ouro depositado no leito do Rio Madeira.

Segundo dados da Embrapa – Amazônia Oriental, com sede em Belém, “estima-se que o bioma encerre mais de cinco mil espécies de árvores. A cada hectare é possível encontrar de 40 a 300 espécies diferentes. Em toda a América do Norte, estão catalogadas apenas 650 espécies arbóreas”.

Os números impressionam e, além de indicarem uma enorme diversidade, revelam o tamanho do desafio que a sociedade tem diante de si para não permitir que toda essa vida se esvaia.

É preciso preservar a floresta, defendê-la, mas, acima de tudo, é preciso compreendê-la para que se possa criar, aqui, um modelo de desenvolvimento não mimético, capaz de trazer qualidade de vida para os povos da floresta, mantendo, ao mesmo tempo, a floresta em pé.

Isso é possível? Entendo que sim. Há um leque de ações que podem ser desenvolvidas explorando a floresta, também utilizando áreas já degradadas. Nesse sentido, muitas atividades econômicas podem ser desenvolvidas a partir do extrativismo e do manejo, bem como da domesticação de determinadas plantas.

Alfredo Homma, no texto Extraindo, manejando e domesticando os recursos da biodiversidade amazônica (2021), fala das potencialidades de algumas espécies da flora amazônica que, segundo ele, podem ser utilizadas como produtos alimentícios, fitoterápicos e aromáticos, como corantes, como controle de pragas e doenças, dentre outras possibilidades.

Todavia, alerta o pesquisador, para que isso ocorra de maneira organizada e duradoura, são necessários recursos e investimentos em Ciência e Tecnologia (C&T), para que se possa produzir novos conhecimentos sobre o bioma, utilizando também aqueles que já foram disponibilizados pelas instituições de pesquisa da própria Amazônia.

Homma ainda apresenta uma lista com espécies economicamente viáveis que são utilizadas pelos povos da Amazônia há séculos, tais como: a cinchona, o jaborandi, a andiroba e a copaíba, o timbó, o pau-rosa, dentre outros.

Como exemplo podemos pensar que, muito antes da chegada dos colonizadores, povos andinos já utilizavam a cinchona para o tratamento da malária. Da sua casca retiravam aquilo que mais tarde foi identificado como quinina, um alcaloide com propriedades antitérmicas, antimaláricas e analgésicas, importadíssimo no combate à infecção.

Já o jaborandi ou, como era chamado pelos povos tupi-guarani, a “planta que faz babar”, é uma fonte importante de pilocarpina, um alcaloide encontrado em suas folhas. Essa substância é empregada, principalmente, no tratamento de glaucoma e de xerostomia, popularmente conhecida como boca seca.

A andiroba e a copaíba, por sua vez, óleos medicinais, possuem propriedades anti-inflamatórias, sendo produtos largamente utilizados pela indústria de cosméticos e farmacêuticas.  

O timbó, cujas raízes são inseticidas naturais, antes da chegada do Dicloro-Difenil-Tricloroetano, o famoso inseticida DDT, foi amplamente utilizado e exportado pelos estados do Amazonas e do Pará. Atualmente, com o apelo cada vez mais forte por inseticidas naturais, há um espaço aberto para o seu retorno efetivo.

Sobre o pau-rosa, talvez muitas pessoas não saibam, mas, até 1990, o famoso e caríssimo perfume Coco Chanel n.º 05 tinha como principal ingrediente o óleo daquela planta.

Aliás, a extração desse óleo é uma fonte inesgotável de polêmicas, considerando sua extinção nas área mais acessíveis devido à exploração predatória. Entretanto, com a criação do linalol sintético na década de 1980, ocorreu o declínio da extração do óleo.

Ainda sobre essa planta, de acordo com Alfredo Homma, o pau-rosa é uma das riquezas da Amazônia. Segundo ele, “Amazonas e Pará chegaram a exportar 444 toneladas de óleo essencial, em 1951. A média do triênio 2018/2020 foi de apenas 1.440 kg e o custo do óleo essencial por volta de US$ 323/kg”.

“Para exportar a quantidade máxima” continua o pesquisador, “já deveria ter iniciado plantios há cerca de 20 a 30 anos, permitindo o corte de 30 mil árvores/ano, gerando divisas da ordem de 74 milhões de dólares anuais. A sua verticalização na região permitiria a formação de um polo floro-xilo-químico de óleos essenciais para perfumaria, cosméticos e fármacos na Amazônia”.

Perante esse cenário, as potencialidades da flora amazônica são quase que ilimitadas. Eu citei alguns exemplos apenas, mas há dezenas de plantas com potencial de exploração econômica na região, bem como produtos com potencial de geração de emprego e renda para a população local e regional.

Todavia, é preciso que o discurso de preservação se materialize em ações práticas, com investimentos em pesquisas que viabilizem atividades econômicas adaptadas ao bioma amazônico. Para isso, no que tange às plantas, é preciso trabalhar em esquemas de manejo, domesticação e descoberta de novos produtos a partir delas, bem como na abertura de mercados a nível local, regional, nacional e mundial.

Chega de mimetismo, temos na Amazônia, como indicado parcialmente aqui, muitos produtos da flora, muitas riquezas, “muitos ouros”.

A Amazônia está, portanto, para além do garimpo, apesar do que se tem comentado publicamente nos últimos tempos, seja ele autorizado ou explorado criminosamente na região.

*Sociólogo

Foto: Silas Laurentino/Especial para o BNC