Agronejo: uma nova mercadoria
Sob o olhar do sociólogo Aldenor Ferreira, o novo gênero musical é agroindústria pura. | Leia no artigo

Ednilson Maciel, por Aldenor Ferreira*
Publicado em: 25/05/2024 às 01:05 | Atualizado em: 25/05/2024 às 09:09
O estilo musical brasileiro conhecido como “sertanejo universitário” chegou ao fim de sua jornada. No entanto, o que já era questionável tornou-se ainda pior. Em seu lugar, emergiu o agronejo, uma vertente do sertanejo que foca no agronegócio. Este novo estilo, desde 2020, tem dominado as estatísticas como o gênero musical mais ouvido nas plataformas de streaming.
Com efeito, conforme sintetizado brilhantemente pelos sociólogos Theodor Adorno e Max Horkheimer no século passado, os produtos oriundos da arte e da cultura são transformados em mercadorias, obedecendo às mesmas leis do mercado. Portanto, estão sujeitos à mesma lógica de criação, produção em escala, cadeias de distribuição e campanhas de marketing.
Neste contexto, ao ser lançado como uma nova mercadoria, o agronejo necessitava de uma boa campanha de marketing, o que foi executado com precisão. O novo gênero musical recebeu um verniz de tradição e ligação com o mundo rural, promovendo a narrativa de que ele resgata o sentido da vida na roça e, portanto, as raízes rurais brasileiras. Sob esta ótica, seria mais um estilo musical genuinamente brasileiro.
Mas isto é falso!
Os defensores do novo gênero musical argumentam que a fusão entre o agro e o sertanejo incorpora, em um único estilo, a essência do Brasil, um país de grande força agropecuária e com forte influência da cultura caipira. No entanto, esta afirmação é incorreta.
O agro inserido nesta fusão, que na verdade é o maior patrocinador deste novo gênero musical, investindo pesadamente em programas de rádio, TV, festas de peão etc., não tem nenhuma conexão com o povo humilde da roça. Pelo contrário, é agroindústria pura, um negócio altamente tecnificado voltado para a grande produção, visando ao mercado internacional, algo que não tem absolutamente nada a ver com a cultura caipira.
Além disso, a música sertaneja perdeu sua ligação com o sertão há, pelo menos, 40 anos. O que se tem no agronejo, do ponto de vista musical, é uma combinação mercadológica bem-sucedida que mistura a música pop, a eletrônica e as diversas batidas de funk.
O financiamento do Estado
Paradoxalmente, o agronejo conta com a participação do dinheiro público em sua popularização, uma vez que o maior financiador do agronegócio brasileiro é o próprio Estado, por meio de políticas públicas de desenvolvimento rural, a exemplo do Plano Safra. Ou seja, parte dos recursos de patrocínios oriundos do agronegócio tem origem nos recursos públicos destinados aos grandes fazendeiros.
Além disso, com os cachês milionários pagos por diversas prefeituras a cantores do extinto sertanejo universitário e, agora, do agronejo, há um claro financiamento público direto ou indireto desta nova mercadoria cultural.
Aliás, é importante destacar que os pagamentos de cachês milionários, por parte de prefeituras de cidades pequenas e pobres, nunca foram devidamente esclarecidos. No último quadriênio presidencial, surgiram denúncias que se tornaram escândalos, mas pouco foi feito para averiguar a legalidade dos contratos e pagamentos.
Conclusão
Para mim, o novo gênero musical denominado agronejo não passa de mais um produto descartável da indústria cultural nacional. Uma mercadoria milionária, produzida em estúdio, amplamente financiada, mas que nada tem a ver com as raízes rurais e agrícolas brasileiras, apesar das letras enfatizarem este tema.
Na verdade, trata-se de um caso clássico de um produto construído para se tornar popular, mas que não tem suas raízes na cultura popular. Com certeza, é apenas mais uma mercadoria com prazo de validade bem curto.
*O autor é sociólogo.
Foto/arte: Gilmal