A violência simbólica contra a mulher
O autor diz que a violência simbólica se abateu sobre a mulher Janja de forma sistêmica, impactante, preconceituosa e sórdida. Leia no artigo do sociólogo Lúcio Carril.

Ednilson Maciel, por Lúcio Carril*
Publicado em: 23/05/2025 às 11:45 | Atualizado em: 23/05/2025 às 11:45
As Nações Unidas definem a violência contra as mulheres como “qualquer ato de violência de gênero que resulte ou possa resultar em danos ou sofrimentos físicos, sexuais ou mentais para as mulheres, inclusive ameaças de tais atos, coação ou privação arbitrária de liberdade, seja em vida pública ou privada”.
A violência simbólica contra a mulher é a mais comum e o amparo legal para combatê-la é tênue, já que se manifesta pela imposição de valores morais, culturais e sociais.
Ela ocorre e se reproduz naquilo que Althusser chama de Aparelho Ideológico de Estado, se incrustando no tecido social, sem que se apresente como uma violência, porque não é física.
A violência simbólica termina por se tornar a base cultural da violência física.
Ela começa tirando da mulher seu lugar de fala, impondo o silêncio dos mortos.
Para isso, o uso de valores morais, religiosos e culturais sustenta a submissão, o escárnio e a exclusão.
Existe um tempo estruturado para a subjugação física, através da violência extrema e até mesmo da morte.
Essa violência, a simbólica, é a mais perniciosa, porque é ideológica e envolve o espírito das vítimas, afetando seu estado psicológico.
Não ocorre por acaso. É um projeto de poder.
Nem sempre foi assim. A subjugação da mulher se tornou realidade nas sociedades divididas em classes sociais, com uma classe oprimindo a outra, ou seja, ricos explorando e subjugando quem produz a riqueza.
Nas sociedades antigas, quando não havia a produção de excedente a partir das exploração do trabalho do outro, mulher e homem tinham funções sociais distribuídas de forma harmoniosa, para garantir a existência da família e do grupo social.
Na nossa sociedade, desde o surgimento das primeiras organizações daquilo que viria a se configurar como Estado, a opressão da mulher se tornou objeto de poder, seja do homem ou da classe social dominante.
Isso criou uma estrutura social, cultural, política e ideológica, com valores, crenças, padrões estéticos, linguagens e supremacia racial para manter a dominação social e patriarcal.
Para quem quiser entender com profundidade a violência simbólica, sugiro a leitura de Pierre Bourdieu, sociólogo francês que desenvolveu o conceito.
E por que resolvi abordar esse tema hoje?
Me chamou muito a atenção nos últimos dias os ataques sofridos pela primeira-dama do Brasil, a socióloga Janja Lula da Silva, pela mídia corporativa e pelos machistas e pelas machistas de plantão nas redes sociais.
A manifestação da violência simbólica se abateu sobre a mulher Janja de forma sistêmica, impactante, preconceituosa e sórdida.
Como se trata de uma violência escondida sob o manto da moral e dos bons costumes, o patriarcado logo se tornou especialista em protocolo diplomático.
Jornalistas, homens e mulheres, passaram dias atacando a primeira-dama porque ela emitiu uma opinião – e tomou uma posição – ao presidente chinês sobre a desordem das mídias virtuais.
Nesse caso, houve a intenção de condenar uma interlocutora de qualidade, lhe tirar a palavra e colocá-la numa condução decorativa, de um lado, e por outro, porque ela incomodou a indústria de mentiras que usa o espaço virtual para criar uma realidade paralela.
Janja não se intimidou, como deve ser com toda mulher que luta pela emancipação feminina.
No centro de toda ação, o protocolo reivindicado foi o do patriarcado e da dominação política e ideológica. Esse está no sangue da sociedade machista, misógina e opressora.
O protocolo diplomático foi apenas uma cortina de hipocrisia para esconder a violência de gênero.
*O autor é sociólogo.
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil