A utopia como esperança para 2022
Minha utopia é a de Ernest Bloch, segundo o qual, “o utópico é sustentado pelo sonho para a frente”.

Neuton Correa, por Aldenor Ferreira*
Publicado em: 25/12/2021 às 12:23 | Atualizado em: 25/12/2021 às 12:27
O filósofo alemão Ernest Bloch (1885-1977), no livro O Princípio Esperança, apresenta uma concepção singular do conceito de utopia. Para ele, a utopia não é algo irrealizável, quimérico, que deve ser sempre abandonado, mas, sim, uma esperança.
Para Bloch, a esperança por si mesma não garante o surgimento do novo, ela deve ser ancorada em um processo transformador, que ele identifica como o “otimismo militante”. Noutras palavras, nessa perspectiva, a esperança é um movimento, um confronto com os antagonismos e contradições do sujeito. É um movimento na direção do “que ainda-não-veio-a-ser”.
Por essa premissa, “o novo”, deixa de ser algo comodamente aguardado, passando a ser buscado com determinação, por meio de um “esforço construtor”. A esperança, portanto, é um “sonho para a frente”, como dito, um “otimismo militante”.
É difícil falar em otimismo militante no final do ano de 2021. Assim como foi o ano anterior, este chega ao fim de maneira trágica e melancólica.
Penso que, com exceção dos cavalheiros que frequentam a Faria Lima, muitos dos quais aumentaram ainda mais suas fortunas, o ano termina sem deixar nenhuma saudade para mais de meio milhão de brasileiros. Dos 618 mil óbitos, até agora, 422.479 ocorreram em 2021, segundo dados da universidade americana Johns Hopkins.
Desse modo, se levarmos em conta que cada pessoa que faleceu tinha uma família que, segundo dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, de 2018, é composta por 3,7 pessoas, em tese temos 2.286.600 pessoas sofrendo de alguma maneira.
Além da perda de seus entes, muitas dessas pessoas estão totalmente desamparadas do ponto de vista social e econômico. Muitas famílias tinham, na aposentadoria do avô, da avó ou de ambos, a única fonte de renda da casa. Há milhares de órfãos, viúvas, viúvos desassistidos, entregues à própria sorte.
A tragédia, de fato, se abateu sobre uma parcela considerável da população brasileira, os números estão aí, eles não mentem, são oficiais, são produzidos por agências governamentais, estão aí como registros indeléveis de um período sombrio vivido em nosso país, que ainda não terminou.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD/contínua), do IBGE, são 13,5 milhões de desempregados, 5,7 milhões de desalentados e 36,295 milhões de brasileiros na informalidade, “vivendo de bicos”, portanto, sem nenhuma garantia trabalhista e/ou previdenciária.
É redundante falar em inflação recorde de alimentos, de taxa de investimento público, a pior da história, da alta nos preços das tarifas públicas de energia, da alta no preço dos combustíveis, da alta do dólar, da desindustrialização etc.
A realidade é que, hoje, o Brasil, é um país sem rumo, um barco sem quilha e sem leme que segue à deriva em um mar de tormentas. Não há projeto efetivo para contornar e superar essa situação de crise, não há competência e nem vontade para isso.
O Brasil de Bolsonaro e de seus apaniguados, apresenta um quadro social e econômico deprimente, com índices altíssimos de miséria e insegurança alimentar.
Quando se acrescenta, a esse quadro, o autoritarismo, a perseguição política de opositores, o negacionismo, que potencializou a morte da ciência e da pesquisa no país, bem como a corrupção, a esperança parece querer morrer em muitos de nós.
Todavia, não podemos perder a esperança. A partir de 2022, precisamos viver a utopia de um Brasil verdadeiramente democrático, solidário, justo e fraterno. Contudo, isso é importante, a utopia que já estou vivendo não é a do senso comum, cujo significado remete sempre a algo quimérico, inexequível, irreflexivo e inautêntico. Minha utopia é a de Ernest Bloch, segundo o qual, “o utópico é sustentado pelo sonho para a frente”.
Diz o filósofo alemão: “o homem é alguém que ainda tem muito pela frente. No seu trabalho e através dele, ele é constantemente remodelado. Ele está constantemente à frente, topando com limites que já não são mais limites; tomando consciência deles, ele os ultrapassa”.
Portanto, caro(a) leitor(a), fique certo(a), de que, em 2022, o Brasil precisará de um “esforço construtor”, de um “otimismo militante”, de um “sonho para a frente”, para que o novo nasça e, com ele, a esperança se renove em nossos corações.
Já é possível sentirmos os ventos da mudança, já é possível sentirmos o sabor da vitória, enfim, já é possível voltarmos a sonhar “sonhos diurnos e noturnos”, pois a esperança já venceu o medo.
Foto: Roberto Parizotti/reprodução
*Sociólogo.