“A religião é o ópio do povo”
Assim como a droga, a religião tem o poder de entorpecer, de narcotizar o sujeito, alienando-o a ponto de fazê-lo ignorar e suportar situações de miséria

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*
Publicado em: 29/07/2023 às 02:00 | Atualizado em: 28/07/2023 às 05:59
“A religião é o ópio do povo”. Esta frase é, sem dúvida, uma das mais famosas de Karl Marx. Está registrada no texto Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, escrito entre dezembro de 1843 e janeiro de 1844. Tomando como referência o Brasil, escrevo, hoje, para reafirmar a atualidade desta frase síntese.
Com efeito, antes de prosseguir, faz-se necessário entender o que Marx quis dizer com a frase, que aparece na introdução do texto supracitado, publicado na forma de artigo nos Anais Franco-Alemães em 1844. O contexto da frase é o seguinte:
“A miséria religiosa constitui ao mesmo tempo a expressão da miséria real
e o protesto contra a miséria real. A religião é o suspiro da criatura oprimida,
o ânimo de um mundo sem coração, assim como o espírito de estados de
coisas embrutecidos. Ela é o ópio do povo”.
A religião é o ópio porque, assim como a droga, ela tem o poder de entorpecer, de narcotizar o sujeito, alienando-o a ponto de fazê-lo ignorar e suportar situações de miséria, de exploração e de submissão à vontade de outrem por entender que se trata de algo sobrenatural/divino e não fruto de um processo material e histórico. Na verdade, a miséria não tem nada de divino. Trata-se de uma condição materialmente produzida.
Alienação
O ópio possui substâncias que deprimem o sistema nervoso central. Agindo de maneira lenta, proporciona a diminuição da dor a partir do entorpecimento. Neste sentido, de forma análoga, a religião tem a função de entorpecer e de alienar mentes e corações de homens e mulheres para que não vejam e não entendam as origens históricas de sua condição. Segundo a filósofa política Hannah Arendt, “o trabalho é condição humana”. A religião, portanto, não é.
Neste sentido, não entender as origens materiais de uma vida miserável, precária e desprovida de sentido é não entender que “a história da humanidade é a história da luta de classes”. Esta condição é fundamental para a dominação burguesa. Uma dominação, entretanto, que seria impossível de ocorrer apenas pelo “monopólio do uso legítimo da violência física”, para citar, aqui, uma passagem famosa de Max Weber sobre o que é o Estado.
Dominação ideológica
Em uma sociedade cada vez mais marcada por discrepâncias abissais que, por conta disso, se constitui a cada dia em uma espécie de barril de pólvoras à espera de uma única centelha, como manter a dominação? A resposta é simples: pela dominação ideológica. Neste caso, a religião assume papel preponderante, constituindo-se em um dos principais instrumentos da dominação ideológica burguesa.
A religião, desde a sua origem, e até agora, sempre foi o principal instrumento de manutenção do poder. Ela sempre esteve ao lado dos poderosos e dos opressores, pregando obediência, servidão, mansidão, renúncia ascética apenas para o rebanho, enquanto os seus líderes gozam de riqueza, fama e poder.
Bolsonaro
Temos diante de nós o caso brasileiro para exemplificar. É só verificar de qual lado ficaram os cristãos, católicos e protestantes brasileiros, salvo raríssimas exceções, nas últimas eleições. A maioria ficou do lado de Jair Bolsonaro, o candidato cujo projeto de país mostrava claramente a defesa dos interesses dos ricos e poderosos e o massacre da classe trabalhadora.
Neste âmbito, o papel dos líderes religiosos brasileiros, grandes e pequenos, todos eles porta-vozes dos interesses da burguesia, é anestesiar o povo e, desta forma, manter as coisas exatamente como elas são e estão.
A cada sermão de domingo “doses cavalares de ópio” são injetadas nos fiéis. São estas doses que projetam no indivíduo a ideia de uma vida gloriosa em outro reino, que atestam que os dissabores de uma vida miserável neste mundo serão compensados por algo sublime, inigualável e inimaginável no reino do porvir.
Desta forma, a consciência-de-si da classe-que-vive-do-trabalho é impedida de nascer e de florescer. Elimina-se ou reduz-se, com isto, qualquer possibilidade de revolta, de protesto, de emancipação e de revolução.
Ademais, o papel do ópio/religião é fazer a dor do corpo (fome e miséria) e da alma (angústia e depressão) passar, ainda que momentaneamente. É fazer a desesperança se transformar em esperança no porvir. Neste sentido, Marx está absolutamente correto: “a religião é o suspiro da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração […]. Ela é o ópio do povo”.
*Sociólogo
Arte: Gilmal