A “profunda reflexão” dos pensadores do Facebook e do WhatsApp
Como já alertou Umberto Eco, “as redes sociais deram voz a uma legião de imbecis”.

Mariane Veiga, por Aldenor Ferreira*
Publicado em: 18/03/2021 às 10:40 | Atualizado em: 17/11/2023 às 17:44
Anthony Giddens, no livro “A Constituição da Sociedade”, de 1989, afirma que a era da informação, em que vivemos, impulsiona o aumento da reflexão. Ou seja, impulsiona a capacidade de estarmos sempre pensando a respeito das circunstâncias em que nossas vidas se desenrolam.
Para Giddens, “a continuidade de práticas presume reflexividade. Mas esta, por sua vez, só é possível por causa da continuidade de práticas que as tornam nitidamente ‘as mesmas’ através do espaço e do tempo. Logo, a ‘reflexividade’ deve ser não meramente como ‘autoconsciência’, mas como o caráter monitorado do fluxo contínuo da vida social”.
A reflexão é, portanto, “a forma específica da cognoscitividade dos agentes humanos e a que está mais profundamente envolvida na ordenação recursiva das práticas sociais”.
Analisando ideia de reflexividade de Giddens, entendo que as redes sociais fomentam uma reflexão irrefletida, marcada por pensamentos que reverberam práticas cotidianas dos seus autores. Refiro-me aos teóricos de orelha de livro, aos exímios analistas da conjuntura política e econômica brasileira que nunca leram um livro sequer sobre o tema, mas que se arvoram a despejar todas as suas “profundas análises” no Facebook, no Whatsaap e em redes similares.
Com efeito, a complexidade do mundo cada vez mais globalizado e, paradoxalmente, cada vez mais atomizado, a velocidade das informações, assim como a relativização da própria vida como um bem supremo, empurra-nos para um estado de anomia, com bem lecionou Durkheim.
As análises feitas, visando explicar essa complexidade anômica, são quase sempre superficiais. Dessa forma, a característica principal do tempo em que vivemos, no que tange às explicações dos fenômenos sociais, é a superficialidade daqueles que “pensam que pensam”.
Efetivamente, assim como no episódio de “A Carta Roubada” de Edgar Alan Poe, os processos sociais e culturais, as demandas políticas e econômicas, o poder, a democracia, o Estado, a dominação etc., não são tão simples de serem entendidos e explicados. Isso, mesmo para um pesquisador experiente, que dirá para o teórico de orelha de livro.
Simplificação dos fenômenos
Nesse sentido, as evidências primeiras, como alertam Bachelard e Bourdieu, tendem para uma simplificação dos fenômenos. Esta, por sua vez, revela-se muito mais desafiadora e complexa, sendo preciso, portanto, mergulhar em águas mais profundas e ir além da superfície dos fenômenos. Com efeito, a indolência da mente que “pensa que pensa”, funciona como uma barreira natural que impede o êxito desse empreendimento.
Assim, por vivermos em um tempo de alta volatilidade, em que nada é feito para durar, como sintetizou Bauman, “tudo é líquido na modernidade”, “os pensadores” das redes sociais ganham liberdade e autonomia para fazer seus voos de galinha, com incursões profundas como uma tampinha de refrigerante (lá em Parintins a gente chama de pincha) sobre os temas mais complexos da sociedade.
Entretanto, no fim das contas, logo essa análise desaparecerá e novas incursões efêmeras aparecerão, e de novo e de novo e de novo. Como já alertou Umberto Eco, “as redes sociais deram voz a uma legião de imbecis”.
Minha utopia é que em um dado momento do devir da sociedade brasileira, as reflexões irrefletidas, noutras palavras, as análises políticas e econômicas dos “eruditos” “cientistas políticos” e “sociólogos de rede social”, os quais, em sua maioria, não têm uma nota sequer publicada em uma revista importante ou veículo parecido. Perderão força e eles retornarão ao lugar que lhes cabe na história: o lugar da insignificância, da volatilidade, da não existência, o não lugar.
*O autor é sociólogo.
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