A inflação traz infelicidade para o povo
Taxa de juros saiu de 2% em 2020 para os atuais 11,75% e a inflação não para de subir, questão política, analisa Aldenor Ferreira, apontando consequência para todos

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*
Publicado em: 30/04/2022 às 07:12 | Atualizado em: 30/04/2022 às 07:13
O povo brasileiro não está feliz – a maioria, pelo menos – e me arrisco a dizer que nem mesmo aqueles que apoiam o atual governo estão, ainda que, no discurso, afirmem que o país está indo muito bem.
Para mim, uma das causas dessa infelicidade coletiva é a volta da inflação.
De acordo com o noticiário, a inflação do mês de março subiu 1,62%, o maior índice para o mês em vinte oito anos. No acumulado de doze meses, a inflação atingiu a marca de 11,30%. Ou seja, esse “fantasma” que, por décadas, assombrou toda a nação, está, definitivamente, de volta e, para piorar, nada indica que haverá a redução desse índice no curto prazo.
É importante ser mencionado, pensando principalmente nos mais jovens que não vivenciaram os períodos de instabilidade da economia brasileira, que o país já chegou a ter inflação de três dígitos. Refiro-me ao início do governo de José Sarney que, ao assumir a presidência, encarou uma inflação de 242,24% ao ano. Foi só com o advento do Plano Real, no segundo semestre de 1994, que a inflação foi controlada no país.
Em quase três décadas de Real, sempre ocorreram picos de inflação no país. Todavia, nestes últimos quatro anos, ela vem apresentando tendências constantes de alta e as medidas de elevação das taxas de juros para contê-la não têm surtido o efeito desejado.
A taxa Selic (Sistema Especial de Liquidação e Custódia) ou taxa básica de juros, como é mais conhecida, por exemplo, saiu de 2% ao ano em 2020 para os atuais 11,75% em 2022 – o que representa uma alta considerável. Ainda assim, a inflação continua subindo.
O detalhe interessante da inflação brasileira, neste momento, é que ela não se dá por conta do nível de aquecimento da economia, como pode ocorrer em situações que não sejam de crise. Pelo contrário, o país está estagnado, com taxa de desemprego elevada, bem como de informalidade, de inadimplência pessoal e empresarial, dentre outros fatores.
Também não há, por exemplo, elevado investimento por parte de empresas ou de consumo por parte da população – variáveis essas que poderiam justificar a alta dos preços. O que há, e isso é um fato, é a falta de investimento público que alavanque a economia, o aumento das tarifas públicas de energia e o aumento do preço dos combustíveis.
Nesse sentido, em um país que depende quase que exclusivamente do transporte rodoviário, qualquer aumento no preço dos combustíveis, nas tarifas de energia elétrica e demais taxas terá impacto em toda a economia. Um exemplo disso é que, a partir do aumento dos fretes, cria-se aumentos em cadeia, como o do preço dos alimentos e da inflação.
Portanto, a questão é inteiramente de natureza política e, nesse sentido, o responsável pela alta da inflação é, diretamente, o próprio governo, mesmo que ele responsabilize a conjuntura internacional e fuja da sua responsabilidade.
Ocorre que, com o aumento descontrolado da inflação, o poder de compra dos salários dos brasileiros se esvai e, sem a devida reposição salarial acima da inflação, ocorre o empobrecimento dos trabalhadores, o que, certamente, traz infelicidade, uma vez que o impacto da inflação atinge praticamente a totalidade desse segmento.
Todavia, não devemos nos enganar, pois esse impacto não é sentido apenas pela classe trabalhadora, que recebe um salário mínimo, já que outros estratos sociais também são afetados, inclusive a classe média, pois a mensalidade do colégio do(a) filho(a) aumenta, bem como o plano de saúde, a TV por assinatura, o clube, o restaurante, as passagens áreas etc. Ou seja, com a inflação descontrolada e longe da meta estabelecida pelo próprio governo, a perda é de toda a sociedade.
A questão é muito séria, desesperadora, eu diria, e o cenário futuro não é dos melhores. De acordo com a estimativa do Banco Central para 2022, publicado pelo portal Uol, “o Relatório Trimestral de Inflação (RTI) indica um IPCA (Índice de Preços ao Consumidor) de 7,1% para este ano e 3,4% no próximo ano, muito acima da margem de tolerância da meta de 3,50% (com teto de 5%)”.
Em resumo, para o trabalhador assalariado, o que lhe resta concretamente é a infelicidade, visto que ele não consegue mais dispor dos meios necessários para garantir a sua reprodução material e simbólica.
Nesse sentido, podemos questionar: como o(a) trabalhador(a) e sua família viverão felizes tendo enormes dificuldades para se manterem vivos? Como eles(as) poderão sonhar e crer que haverá um futuro para si e para os seus descendentes se não há emprego, renda e, fundamentalmente, comida com preços acessíveis?
Nesse ponto, não podemos nos esquecer dos escritos de Marx, para quem “o pressuposto básico da história é que os homens devem estar em condições de viver para fazer história e a primeira realidade histórica é a produção da vida material”. Vida essa que vai além da mera existência, já que o(a) trabalhador(a) quer se inserir no mundo do consumo, quer ter acesso a bens simbólicos e serviços que lhe darão prazer.
Dessa forma, não poder comprar uma botija de gás, um quilo de carne de boa qualidade, uma bebida do seu agrado, uma roupa para seus filhos(as) ou mesmo fazer uma viagem turística, enfim, não ter mais acesso a coisas que eles(as) compravam facilmente em um outro tempo, em um outro governo, deve causar muita angústia e desespero.
Como dito, o povo brasileiro está infeliz, desesperançoso, arruinado. E uma das causas disso é, sem dúvida, a falta de emprego e a perda do poder de compra dos salários daqueles que ainda estão empregados e que, a cada dia, é corroído pela inflação. A classe média também está angustiada, em menor intensidade, certamente, mas é cínica, não revelando e nem reconhecendo seus equívocos políticos que ajudaram a fomentar essa situação deplorável no Brasil.
Precisamos, portanto, pela via da política e da democracia, reverter urgentemente esse quadro, pois o controle da inflação e a estabilidade da nossa moeda foram as maiores conquistas da sociedade brasileira das últimas três décadas, conquistas levadas muito a sério por todos os governos anteriores.
O povo brasileiro precisa e merece ser feliz de novo.
*Sociólogo
Foto: Agência Brasil/Reuters