A era do servidor público virtual
No contexto das IFES, é aquele servidor (docente ou técnico) que não mora na cidade onde está lotado, nem ao menos próximo de seu local de trabalho, no caso, da universidade

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*
Publicado em: 10/06/2023 às 00:35 | Atualizado em: 10/06/2023 às 00:35
A pandemia causada pelo novo coronavírus mudou a sociedade. Por dois anos, o cotidiano foi radicalmente alterado, novas formas de sociabilidade surgiram a partir de novas relações pessoais, de trabalho e de comércio. Neste âmbito, surgiu a figura do servidor público virtual, sobre o qual falarei hoje.
Trata-se de um “novo tipo de servidor”, com presença em todos os órgãos federais, provavelmente presente também no serviço público estadual e municipal, mas não tenho informações suficientes para falar sobre a realidade vivida nestas esferas. Neste sentido, abordarei algumas questões relacionadas à atuação do servidor virtual no âmbito da educação superior federal.
Antes de prosseguir, porém, é importante fazer justiça ao novo coronavírus, pois no âmbito das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) o servidor virtual já existia antes da pandemia, não sendo, portanto, uma criação exclusiva da Covid-19, apesar desta ter potencializado sobremaneira a atuação deste tipo de servidor.
Definição
Mas, afinal, quem é o servidor público federal virtual?
No contexto das IFES, é aquele servidor (docente ou técnico administrativo) que não mora na cidade onde está lotado, nem ao menos próximo de seu local de trabalho, no caso, da universidade. Por conta disso, precisa entregar de forma remota, por meio da Internet, o serviço para o qual foi contratado para oferecer de forma presencial.
O servidor virtual também pode ser denominado como “servidor delivery”, aquele que entrega determinado produto somente quando solicitado. Como mencionado anteriormente, o servidor virtual ou delivery já atuava de forma remota antes mesmo da Covid-19 em muitas universidades federais e estaduais.
Todavia, com a agudização da pandemia, uma parcela relevante das universidades criou o Ensino Não Presencial Emergencial (ENPE). Essa medida, para o professor e/ou técnico virtual-delivery foi a realização de um sonho dourado. Todavia, graças à ciência, a vacina surgiu, a Covid-19 foi controlada e o ENPE foi finalizado.
Contudo, o professor e/ou técnico virtual-delivery não aceitaram o término do ENPE. Eles insistem no trabalho virtual, embora o concurso prestado tenha sido para 20 ou 40 horas ou, ainda, na modalidade de dedicação exclusiva, com atividades a serem desenvolvidas de forma presencial em seu local de trabalho.
Eu não sou especialista em Direito Administrativo, mas sei ler e, até o momento, não encontrei na Lei n.º 8.112, que rege todo o serviço público federal no Brasil, amparo legal para esta “nova categoria” de servidor. O que se tem, ainda, é o servidor selecionado por meio de concurso público, com jornada de trabalho preestabelecida e com atuação presencial no local onde exerce seu cargo.
Distorção
Portanto, não existe nas IFES, pelo menos não deveria existir, a figura deste profissional virtual-delivery, que não aparece em seu local de trabalho e realiza todas as suas atividades de forma remota. Como dito, não sou especialista em Direito Administrativo, mas a impressão que tenho é de que ao proceder desta forma o servidor se aproxima muito do chamado “abandono de cargo ou inassiduidade”, conforme o Art. 140 da Lei n.º 8.112.
Ademais, o famigerado home office e outras atividades virtuais são ciladas para os servidores públicos, são armadilhas para as quais muitos nem se atentaram ainda. Na verdade, ao optarem cada vez mais pelo virtual, estão abrindo as portas para serem facilmente descartados no mundo real.
Concluo, afirmando que não sou contra a tecnologia. O meio técnico-científico-informacional, conceito criado pelo geógrafo Milton Santos, é uma realidade, aliás, muito bem-vinda. A Internet é essencial, por meio dela diversas atividades educacionais, de pesquisa e administrativas das universidades podem ser realizadas com maior celeridade e eficiência.
Demissão
Neste sentido, penso que a Internet e o mundo virtual por ela criado e que foi impulsionado pela pandemia da Covid-19 não são problemas, mas, sim, o mau-caratismo, a malversação do dinheiro público, o descaso com a res publica e o estelionato educacional.
O professor e/ou técnico virtual-delivery são, na verdade, picaretas, deveriam ser demitidos a bem do serviço público.
*Sociólogo
Arte: Gilmal