A emoção da formatura na universidade

Em seu artigo de hoje, Aldenor Ferreira mostra a emoção e, também, a grau de atraso do ensino superior do Brasil quando o compara com o do Peru, por exemplo

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*

Publicado em: 18/02/2023 às 05:55 | Atualizado em: 18/02/2023 às 13:26

Tenho acompanhado nos últimos dois meses algumas cerimônias de colação de grau das universidades em que já trabalhei e mantive vínculos de pesquisa, bem como na que estou atuando agora, sendo elas a Ufam, a UFMS e a UFSCar. Em todas essas ocasiões, a emoção toma conta de pais e estudantes quando recebem o título. 

Certamente, esse é o momento mais sublime da cerimônia. Afinal, nele, encerra-se uma longa jornada que contou com a interferência positiva e, às vezes, até negativa, de muitas pessoas. De fato, não é fácil chegar a esta fase, ainda mais se o(a) estudante for pobre, preto(a), indígena ou LGBTQIA+. 

Esse percurso não é fácil. O Brasil nunca teve uma tradição de formação universitária. Talvez, até pareça um absurdo hoje, mas até o início do século XIX, não existiam cursos superiores no Brasil. Esse quadro só vai mudar com a chegada da corte portuguesa em 1808. Ainda assim, as elites agrárias continuaram a enviar seus filhos para estudarem na Europa, fato que só diminuiu na segunda metade do século XX.

À guisa de exemplo, as principais autoridades paulistas ligadas ao campo da agronomia se graduaram fora do país, em importantes escolas agrícolas da Europa. Luiz Vicente de Souza Queiroz, por exemplo, formou-se em Grignon, França; Jorge Tibiriçá Piratininga, em Hohenheim, na Alemanha; e Edmundo Navarro de Andrade, o pai do eucalipto no Brasil, na Escola Nacional de Agricultura de Coimbra. 

Isso indica um fato que pode não ser novidade: a constituição de nossa formação universitária, caro(a) leitor(a), além de ter ocorrido tardiamente, é classista e elitista. Quando comparamos com outros países que, assim como o Brasil, também foram colonizados, o vexame aumenta consideravelmente.

Grau de atraso

O Peru, colônia da Espanha, já tinha uma universidade em 1551 – a Universidade Nacional Maior de São Marcos –, que está em pleno funcionamento atualmente.

Logo, não é exagero dizer que o desprezo pelo ensino superior é secular no Brasil. Talvez, por isso, não tenhamos alcançado o prazer de receber um Prêmio Nobel, enquanto Argentina, Chile, Colômbia, Venezuela, México e Guatemala já foram laureados. 

Lula e Dilma

Nesse âmbito, é importante ser destacado que, em cinco séculos de história, apenas um presidente ousou mudar a história vexaminosa do ensino superior no Brasil: Luiz Inácio Lula da Silva. Foi no seu governo – e depois no de Dilma Rousseff – que foram criadas e implementadas as principais políticas públicas de ampliação desse nível de ensino no país.

Reuni

Com o REUNI (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais) houve a democratização do acesso às universidades a partir da criação e da ampliação de universidades federais, da criação de novos cursos, do aumento de vagas, da contratação de mais professores e técnicos e, fundamentalmente, da interiorização do ensino superior, com a instalação de universidades em regiões de baixo índice de desenvolvimento humano e econômico do país.

A verdade é que os governos Lula e Dilma investiram em todos os níveis da educação, mas, no ensino superior, houve uma verdadeira revolução. As políticas eram articuladas visando a inclusão de PCDs, indígenas, negros, mulheres, LGBTQIA+, enfim, todos. A juventude pobre e periférica brasileira passou, então, a sonhar com a possibilidade de um dia a ser chamada de doutor. De fato, foi isso que aconteceu. Esse sonho se realizou para milhares de pessoas em nosso país. 

Ousadia

Nesse sentido, quando vejo pais e mães, juntamente com seus filhos e filhas, emocionados em uma cerimônia de colação de grau, me regozijo. Eu sei quem foi o maior responsável por aquela cena. Reconheço que, em um dado momento de nossa história, Luiz Inácio Lula da Silva, um homem sem anel de formatura e sem diploma universitário, ousou mudar a sorte de toda uma geração de jovens brasileiros.

Portanto, eu compreendo muito bem a emoção de jovens pobres e periféricos no dia da colação de grau. Sei exatamente o que eles estão sentindo, já que eu fazia parte de uma classe que estava destinada a ser analfabeta por toda a sua vida. Talvez com sorte eu concluiria o ensino fundamental ou o médio. Mas não foi isso que aconteceu. 

Graças à união do meu esforço pessoal às políticas públicas educacionais criadas e implementadas pelo Estado brasileiro na era Lula/Dilma, o caminho pôde ser outro. Por isso, posso afirmar com propriedade que, para nós, do andar de baixo, “estudar é um ato revolucionário”, conforme disse o mestre Paulo Freire, e a emoção da formatura continua, ainda hoje, a atualizar algum senso de justiça ancestral.

*Sociólogo. 

Fonte: UFSCar. Colação de grau no campus Lagoa do Sino, janeiro de 2023.