A casa de Seu Waldir Vianna, o missionário da luz

Está demolida a casa que serviu de clínica e curou picadas de surucucu, ferradas de arraias e consertou desmentiduras de tantos parintinenses

Casa Waldir Vianna demolida

Neuton Correa, por Dassuem Nogueira*

Publicado em: 02/03/2025 às 12:31 | Atualizado em: 02/03/2025 às 15:57

Resta apenas o vazio sobre o chão de barro, revelado pela demolição da casa de Waldir Vianna, o missionário da luz, como o definiu o poeta Chico da Silva, em toada defendida pelo boi bumbá Caprichoso, em 1991.

A toada é apenas uma das homenagens feitas ao homem que ficou conhecido por seu saber de cura. 

Seu Waldir era especialista em reverter os efeitos dos venenos de cobras e ferradas de arraia. E desenvolveu um saber-fazer de tratar ossos.

A história do curador

Waldir Viana nasceu em 1910 em Parintins, mas só começou a praticar o que aprendeu por volta dos 40 anos. 

O curador manteve residência fixa por muito tempo na comunidade do Parananema, onde hoje está localizado o aeroporto da cidade. A casa da avenida Amazonas foi construída posteriormente, quando Waldir já era um curador conhecido. 

Nela, Waldir terminou de criar seus sete filhos, frutos do casamento com Silvia Barbosa, em 1939.  

A casa era a morada de um grande curador da Amazônia e local onde muitos moradores de Parintins, localidades próximas e distantes encontraram o alívio para suas dores. 

É abençoada a mão que cura

Diferente dos puxadores de ossos tradicionais, Waldir bebeu na fonte a ciência da medicina para aprender a manejar ossos. 

Seus filhos contam que ele sonhava em ser médico ortopedista. Assim, chegou a fugir para estudar, mas foi alcançado pelo pai, em Itacoatiara, no meio do caminho para a capital do estado.

Mais tarde, ele passou a fazer viagens periódicas para estudar medicina com um amigo, o médico Arnaldo Prado, em Belém, capital do Pará. E, desde então, nunca deixou de estudar.

O método de Waldir

Waldir Viana desenvolveu um método de tratamento da coluna em que pendurava o paciente pelos pés para manejar os ossos da coluna até consertá-la.

Porém, Seu Waldir é um homem da Amazônia e para a gente da floresta toda vida é sagrada. Por isso, os curadores se conectam com o sagrado por meio das rezas e benzimentos no ato de curar.

A reza e o benzimento invocam o dom da cura. Pois para a gente da floresta, os saberes da cura não lhes pertencem. Para a fé católica, o dom da cura vem de Deus.  

Essa vida linda vem de Deus 

Seu Waldir poderia ser uma personagem de um livro de Gabriel Garcia Marquez. Os testemunhos de seu trabalho fazem jus ao realismo fantástico latino americano.

Em uma delas, na década de 1980, um rapaz se machucou seriamente em um confronto de corpos na disputa por uma bola em algum campinho de Parintins. Ele teve um afundamento na maça do rosto, mas sua aparência monstruosa não assustou Seu Waldir. 

Os amigos que o levaram até a casa da avenida Amazonas viram o curador fazer um emplasto em seu polegar e manejá-lo dentro da boca do rapaz. Desse modo, ele desfez o afundamento diante dos olhos de todos. 

Diferente dos hospitais, onde os que se tratam ficam isolados, a casa de seu Waldir era acessível a todos. Por isso, muitas pessoas têm a memória da casa e dos atendimentos realizados por ele.  

Anjo amigo

Por ser um saber que vem de Deus e do sagrado da floresta, o ato de curar não se cobra em dinheiro. Seu Waldir Viana jamais cobrou para atender seus conterrâneos ou os de fora que o procuravam.

Seu sustento vinha de propriedades na área rural de Parintins. Nelas, ele e sua família mantinham plantios e criavam animais, principalmente, gado. 

É lembrado por sua comunidade como um homem bom e de muita fé. A Igreja de São Benedito, construída na comunidade do Parananema, que se vê ao chegar a Parintins de avião, é o pagamento de uma promessa sua feita ao santo negro. 

Quando ele começou a atuar como curador, em 1950, não havia assistência médica estruturada no município. Portanto, tudo o que Waldir aprendeu serviu a sua comunidade até a sua morte, em 2005.

Alô Seu Waldir Viana

Na terra do boi bumbá, Waldir Vianna recebeu muitas homenagens em forma de toadas, como a que Chico da Silva escreveu para o boi Caprichoso, em 1991.

Curiosamente, Seu Waldir era torcedor do Garantido. Compareceu ao bumbódromo em 1991 para ser homenageado, literalmente, “contrariando” seus filhos. 

Tony Medeiros dedica a ele a toada Tributo a Waldir Vianna (2004). Ele também aparece como referência de fé e de cura nas toadas Parintins para o mundo (Jorge Aragão, 1997); Magia da toada (Tony e Inaldo Medeiros e Edval Machado, 1998); e A cura e a fé (Hugo Levy e Neil Armstrong, 2016).

Recentemente, em tempos de sistema de saúde público e gratuito, o nome do curador mais famoso e querido de Parintins foi dado a uma unidade de saúde. 

O centro de saúde Waldir Vianna está localizado no bairro do São Benedito, próximo a igreja de seu santo de devoção e ao reduto de seu boi de coração, o Garantido. A unidade atende o território onde estava localizada sua antiga casa na avenida Amazonas, demolida em fevereiro desse ano.

*A autora é antropóloga

Foto: BNC Amazonas