O caminho da Índia

Irei aproveitar esse gancho para apontar as proximidades e as possibilidades entre o Brasil e a Índia pouco conhecidas por parte de muitos brasileiros

Neuton Correa

Publicado em: 24/07/2021 às 06:48 | Atualizado em: 24/09/2021 às 17:48

Aldenor Ferreira*

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Nas últimas semanas, a Índia tem aparecido bastante no noticiário nacional. Isso se dá, dentre outras coisas, por conta das negociações, pouco republicanas, feitas pelo Ministério da Saúde para a compra do imunizante Covaxin, produzido pela farmacêutica indiana Bharat Biotech.

Não irei falar sobre isso neste texto, mas, sim, aproveitar esse gancho para apontar as proximidades e as possibilidades entre o Brasil e a Índia pouco conhecidas por parte de muitos brasileiros.

As semelhanças entre esses países se exemplificam na grandiosidade e na importância material e simbólica para a população do rio Ganges e do rio Amazonas, bem como dos abundantes recursos minerais e florestais dos quais ambos dispõem, das grandes extensões de terras agriculturáveis e da rica e complexa biodiversidade.

Além disso, temos muitas outras coisas em comum, como o gado zebuíno (Guzerá, Nelore, Gir), a juta, a pimenta-do-reino, o gosto pelo peixe, a ligação com a água tanto para navegação quanto para a subsistência (ainda que a água seja extremamente malcuidada lá e cá), a paixão pelo futebol em Bengala Ocidental, o gosto pelas pimentas de vários tipos e outros condimentos, enfim, semelhanças que vão além dos estereótipos.  

Temos ainda problemas similares ligados à violência urbana, ao saneamento básico e à falta de habitação adequada para a população, além de pobreza e exclusão social.

Cartograficamente, a Índia localiza-se no Hemisfério Norte, visto que todo seu território está acima da Linha do Equador, mas, do ponto de vista econômico, social e cultural, ela faz parte do Sul. É esse Sul, ou para utilizar uma expressão de Boaventura de Sousa Santos (2010), é essa “cartografia epistemológica do Sul” que aproxima essas nações.

A relação entre Brasil e Índia, desde o início, foi restrita, marcada pela interferência dos poderes centrais das metrópoles. A colônia portuguesa de Goa, por exemplo, localizada na costa oeste indiana, não podia exportar diretamente para o Brasil, negociando de colônia para colônia. O comércio tinha que ser intermediado e aprovado pela metrópole portuguesa.

Já no período da Guerra Fria, com o Brasil alinhado aos Estados Unidos e a Índia ainda mais próxima da ex-URSS, as relações continuaram distantes. Mas, é com o fim da Ditadura Militar no Brasil e com o Acordo de Cooperação nas áreas de Ciência e Tecnologia, assinado em 1990, que as relações comerciais e culturais entre os dois países aumentaram bastante.

Além disso, com a consolidação do grupamento chamado BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) em 2006 e a partir do acordo de cooperação assinado em 2007, marcado pela visita do então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Índia, as relações bilaterais ganharam novo impulso.

Todavia, a cooperação poderia ser maior dadas as características climáticas, territoriais, sociais e culturais dos dois países. Ela poderia se estender para as áreas de ciência e tecnologia, agricultura, meio ambiente, indústria, informática, educação, setores de serviços etc.

De acordo com dados da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX), reproduzido pelo site fazcomex.com, a Índia teve participação de 2,4% nas importações brasileiras no ano de 2019.

O Brasil desembolsou nesse mesmo ano US$ 4,3 bilhões em importações do país, tendo um acréscimo de 16% se comparado ao ano de 2018, quando haviam sido importados em valores da Índia um total de US$ 3,7 bilhões.

Ainda de acordo com a CAMEX, até maio de 2020, a Índia estava no 7º lugar entre os países que mais importam produtos do Brasil, com um equivalente a US$ 1,62 bilhão. Mas esse valor apresenta uma queda de mais de 11% se comparado ao mesmo período do ano anterior (2019), quando foram importados cerca de US$ 1,35 bilhão.

Assim, mesmo com a ascendente parceria econômica, pode-se dizer que os fluxos comerciais e os intercâmbios culturais entre essas nações são pequenos quando comparados aos Estados Unidos, à Europa, ou mesmo à China.

Em tempos de crise sanitária e econômica globalizada, é importante a abertura de novos caminhos. Mesmo com a importância das rotas comerciais e dos circuitos culturais estadunidenses e europeus, há outros rumos que precisam ser percorridos.

Portanto, um bom caminho para o Brasil parece ser “o caminho da Índia”. É preciso ampliar esse intercâmbio e promover um encontro cada vez mais efetivo desses gigantes tropicais.

*Sociólogo

Arte: Alex Fideles