O “loro” e o bem-estar animal

A posse responsável deve ser fundamentada em princípios éticos e morais

O "loro" e o bem-estar animal

Neuton Correa

Publicado em: 17/07/2021 às 11:34 | Atualizado em: 17/07/2021 às 11:35

Luciana Menegaldo*

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Para muitas famílias brasileiras, a dureza da vida é suavizada e colorida pela presença de um papagaio em casa, comumente apelidado de “loro”.

É um dado de realidade que as interações socioculturais com a fauna silvestre no Brasil são intensas, com singularidades e especificidades que remetem à nossa própria formação multiétnica.

Todavia, há problemas nessas interações, problemas estes que precisam ser equacionados, pois a parte mais fraca dessa relação é sempre o animal.

Para se ter um papagaio em casa não basta apenas querer ou “achar bonitinho” vê-lo repetindo frases cotidianas. É preciso que o interessado na tutoria tenha condições objetivas para a manutenção material e simbólica da vida desse animal.

A posse responsável deve ser fundamentada em princípios éticos e morais que vão além das relações meramente comerciais e/ou estéticas.

É necessário também ter uma postura consciente acerca da questão ambiental por detrás das aves silvestres que, no Brasil, são amplamente traficadas. Portanto, é preciso tomar cuidado para não sustentar essa prática, pois comete crime quem vende esses animais e, obviamente, quem os compra.

Nesse sentido, a aquisição de um “loro” para alegrar o dia a dia da casa precisa ser legalizada. À guisa de exemplo, se um papagaio não procede de criadouro legalizado, provavelmente ele foi traficado. Mesmo que não tenha sido, caso não tenha origem/registro, seu dono incorre na “posse ilegal de animais silvestres”, o que também é crime.

As estatísticas mostram que para cada animal adquirido sem procedência legal, outros nove perderam a vida. Todavia, não é mais necessário descumprir a legislação para se ter uma ave silvestre em casa, pois, com a publicação das Portarias IBAMA nº 117 e nº 118N, ambas de 1997, a criação e a comercialização de animais silvestres é uma atividade legal.

Entretanto, para além do cumprimento da legislação, com a aquisição de um papagaio de criadouro legalizado, como dito, a posse pressupõe responsabilidade financeira, compromisso ético, bem como equilíbrio emocional e psicológico.

Os papagaios em cativeiro necessitam de alimentação específica, o que inclui, diariamente, ração extrusada de boa qualidade, pelo menos duas variedades de frutas, duas variedades de verduras ou legumes, além de proteína animal (ovo, queijos etc.) de duas a três vezes por semana.

Isso implica custos altos, pois são necessários outros equipamentos como bebedouros, comedouros, poleiros, brinquedos, que devem ser trocados com certa periodicidade. Além disso, ainda que o animal seja manso, ele deve ter sua própria casa, com estrutura segura e forte. Atualmente, uma boa gaiola para papagaio, de tamanho aceitável, custa a partir de R$ 500,00.

Contudo, não se trata apenas do tamanho da gaiola, ela deve ser limpa diariamente, ter acesso ao sol, ser protegida do frio, do cachorro, do gato etc.

A orientação veterinária especializada também é necessária, pois auxiliará os proprietários na prevenção de doenças, na segurança alimentar, bem como na realização de teste de sexagem e na identificação da ave por meio de anilha e chip.

Aves como os papagaios têm vida longa. Eles podem viver 20, 30 ou até mesmo chegar aos 60 anos. Portanto, todos os cuidados supracitados são fundamentais para que se possa ter um(a) companheiro(a) saudável por todo esse tempo.

No que tange à responsabilidade emocional e psicológica, é importante que se tenha clareza de que se está adquirindo um animal de carne e osso, não um bicho de pelúcia. Ou seja, se ele não falar como o dono imagina ou interagir de outra forma, isso não é motivo para abandoná-lo.

Ademais, a aprendizagem da fala não vem apenas da repetição de sons propriamente, mas se dá mais facilmente acompanhando ações do cotidiano. Entretanto, algumas dessas aves simplesmente podem nunca aprender a falar.

Papagaios gostam de rotina, de dormir cedo e são animais de bando, logo, o tutor e a sua família são o seu bando. Nesse sentido, para lidar com qualquer tipo de mudança na rotina da casa e no “bando” será preciso bastante paciência para a (re)adaptação à nova configuração e dinâmica.

Em caso de viagens, o tutor não pode deixá-lo sozinho. Caso não consiga levá-lo em segurança, será preciso contratar alguém para cuidar do animal. Esse cuidador precisará interagir com a ave, ligar uma música, trocar a água, limpar o seu recinto etc.

O papagaio não ficará emocionalmente bem sem a presença de membros do seu bando. Portanto, o tutor não pode pensar que a sua ave ficará feliz apenas com um “potão” de sementes de girassol durante dias.

Assim, se alguém deseja ter um “loro” em casa, mas não reúne todas as condições necessárias para tê-lo, NÃO O TENHA. Como dito, o papagaio não vê a pessoa como um proprietário, ele o vê como um membro do bando.

Por isso, o bando precisa enfrentar junto os bons e os maus momentos. Essa é a ética do cuidado, da responsabilidade que, nesse caso, tem como mote o bem-estar animal.

*Médica Veterinária

Foto: Arquivo pessoal