Memórias de tempos difíceis que a mãe transformou em doces lembranças

"O que deixa um rastro de revolta e frustração é a lembrança da minha mãe não ter tido um vida melhor, aquela vida que todo mundo merece"

Brasil tem 11 milhões de mães criando filhos sem presença do pai

Aguinaldo Rodrigues, por Lúcio Carril*

Publicado em: 09/05/2021 às 09:02 | Atualizado em: 09/05/2021 às 11:10

Algumas lembranças o tempo não apaga e se transformam em experiência de vida. Lembranças não têm um cantinho na memória; costumam tomar conta da nossa existência. 

Elas aparecem rapidamente, quando nem pensamos em chamá-las  ou quando nem lembramos que as temos. Parece que se manifestam em nosso cérebro quando bem entendem.

É assim que aparece minha mãe: como lembrança de vida.

Às vezes me vem à lembrança momentos remotos, que a memória achou por bem transformar em boa lembrança. 

Lembro quando fomos morar no bairro Alvorada 3, sem urbanização, sem energia, sem água. Naquelas noites, a mamãe reunia os quatro filhos menores para contar histórias, já que não podia ligar a TV. Geralmente eram histórias de visagens e depois a garotada tinha que dormir embolada de tanto medo.

Lembro da capacidade de minha mãe em fazer render os dois salários mínimos que papai ganhava. A grana tinha que dar para pagar as contas, comer, comprar fardamento, material escolar, livros, etc. Não dava. Mas a mamãe dava um jeito na farofa de ovo ou na lata de conserva com muita farinha. O bucho ficava cheio. Sobrevivemos.

Tenho muitas lembranças, que tomam de assalto minha vida em momentos que nem as chamo. Essas lembranças não se transformaram em trauma, mas em motivo de grande respeito pela minha mãe. 

O que deixa um rastro de revolta e frustração é a lembrança da minha mãe não ter tido um vida melhor, aquela vida que todo mundo merece. 

O que me acalenta é a lembrança da mãe que criou os filhos. Se bem ou mal, estamos aqui. Uma coisa posso dizer: foi com honestidade e coragem.

*O autor é sociólogo

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil