O lado de Sônia Guajajara
"Sônia é uma líder competente, porta-voz de comunidades indígenas resistentes, de povos cuja cultura é inteligente, ética e esteticamente sofisticada"

Neuton Correa, por Aldenor Ferreira*
Publicado em: 08/05/2021 às 08:22 | Atualizado em: 08/05/2021 às 09:29
Darcy Ribeiro, no texto O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil, afirma que a nossa constituição enquanto povo resulta de contribuições deixadas pelas matrizes lusa, afro e indígena.
Somos constituídos, portanto, de pelo menos três lados, mas “o lado de índio, é o melhor que nós temos”, escreveu certa vez o poeta amazonense Emerson Maia.
Todavia, em pleno século XXI, uma parte significativa da sociedade brasileira não conhece bem esse lado.
Não reconhece a importância dos povos indígenas na formação social e cultural de nossa sociedade e, pior, persegue-os e tenta criminalizá-los, o que se estende a suas organizações e a seus representantes.
A acusação de divulgação de fake news feita pela Funai contra a APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), que tem Sônia Guajajara como uma das dirigentes, é a materialização disso.
Sônia é uma líder competente, porta-voz de comunidades indígenas resistentes, de povos cuja cultura é inteligente, ética e esteticamente sofisticada e que contribuíram material e simbolicamente para a formação da nossa nação.
O problema é que a maioria dos engravatados e togados que moram ou trabalham nos famosos prédios localizados na Praça dos Três Poderes, em Brasília, não faz a menor ideia de como se deu e ainda se dá essa contribuição.
Para um ilustre morador do Palácio do Planalto, um dos três prédios dessa praça, a contribuição é nenhuma.
Pelo contrário, para ele, os povos indígenas são atrasados e, no limite, acabam por atravancar o desenvolvimento econômico do país, sendo uma espécie de peso morto da nação.
Mas, afinal, quais são, de fato, as contribuições dos povos indígenas para a formação da nação brasileira? Com o auxílio do antropólogo Gersem dos Santos Luciano e de seu texto O Índio Brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje, veremos brevemente algumas.
De acordo com o autor, “a primeira contribuição dos povos indígenas teve início logo após a chegada dos portugueses às terras brasileiras. Os índios pacificados e dominados ensinaram a eles as técnicas de sobrevivência na selva e como lidar com várias situações perigosas nas florestas ou como se orientar nas expedições realizadas”.
Além disso, o português, idioma do colonizador, foi enriquecido a partir da incorporação de centenas de palavras da matriz Tupi, por exemplo: guanabara, mingau, perereca, tocaia e pororoca.
Assim, todos os dias pronunciamos alguma delas, como iguaçu, itaquaquecetuba, paranapanema, manaus, curitiba, cuiabá, jaú, tietê, pindamonhangaba, piracicaba, dentre outras.
Mas a presença da herança indígena não está apenas na fala, atravessando, também, nossa gastronomia: “desde a tradicional tapioquinha ao exótico tucupi e à indispensável farinha”, tudo vem da mandioca, cultivada há séculos pelos povos indígenas em nosso território.
E não para por aí: os povos indígenas também contribuem para a economia do país com suas riquezas. Sobre isso, Luciano afirma que “a principal delas, e com a qual os povos indígenas contribuem para a riqueza socioeconômica do país, é a megabiodiversidade existente em suas terras, que representam quase 13% do território brasileiro, a maior parte totalmente preservada”.
A lista de contribuições dos povos indígenas para a formação sociocultural do povo brasileiro é extensa, não caberia neste espaço.
Entretanto, é representada no reconhecimento do poeta amazonense, como apresentamos no início deste texto, que afirma que “o lado de índio, é o melhor que nós temos”, e eu concordo com ele.
O que temos de mais precioso, enquanto povo brasileiro, é o lado da ancestralidade, da relação simbiôntica com a natureza. É o lado da luta, da resistência, da permanência, da vitória sobre a irracionalidade.
É o lado de Sônia Guajajara e do protagonismo das mulheres indígenas e de seus movimentos sociais.
É, enfim, o lado certo da história.
*Sociólogo
Arte: Alex Fidelix