O vírus do neopentecostalismo

Há por aqui um outro vírus, tão letal quanto o novo coronavírus: o vírus do neopentecostalismo.

O vírus do neopentecostalismo

Neuton Correa, por Aldenor Ferreira*

Publicado em: 03/04/2021 às 23:03 | Atualizado em: 04/11/2022 às 13:37

O Brasil vive o pior momento da pandemia causada pelo novo coronavírus. Mais de trezentas mil pessoas faleceram.

Entretanto, há por aqui um outro vírus, tão letal quanto o novo coronavírus: o vírus do neopentecostalismo.

Antes, restritos basicamente aos circuitos de suas igrejas e com pouca influência nos meios políticos, os neopentecostais, hoje, donos de canais de rádio e televisão, portais de internet, editoras, jornais e revistas, estão no poder, contribuindo diretamente para a sustentação do governo do “Messias”, inclusive comandando o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

A pauta reacionária e obscura do atual governo é sustentada pela união de terraplanistas e neopentecostais.

Estes, não negam, ainda, a forma oval da Terra, como seus colegas, mas, baseados em sua “teologia de goiabeira”, refutam outras questões ligadas à ciência, como a eficácia das vacinas contra a Covid-19.

Repletos de contradições, não é surpresa que um dos maiores líderes desse segmento foi vacinado em Miami, mesmo tendo dito aos fiéis para que não se preocupassem com o vírus, pois era apenas mais uma tática de satanás.

Assim, por esse caráter obscuro, fraudulento, mesquinho, reacionário, oportunista e retrógrado, o “vírus” do neopentecostalismo representa um risco à identidade nacional e ao princípio de laicidade do Estado.

Além disso, é importante que se diga que a influência desse movimento não está apenas no governo federal, pois há algum tempo outros espaços para além de Brasília foram por eles atingidos.

Os princípios dessa teologia estão presentes na igreja católica e em seu conhecido movimento de renovação carismática, assim como nas igrejas tradicionais oriundas do movimento da Reforma Protestante, nas escolas e nas casas legislativas estaduais e municipais, pautando questões educacionais, comportamentais e culturais.

Está presente até mesmo na linguagem do cotidiano, contribuindo para a formação de uma psicologia social à moda brasileira.

Frases e palavras antes restritas ao universo dos templos são pronunciadas por quem nunca sequer pisou em uma igreja evangélica. Tá amarrado! Deus é mais! Queima, Jeová! Tá repreendido! Eu determino! Eu declaro! Eu ordeno! São exemplos dessa “quase” revolução cultural, se já não for.

Todavia, do ponto de vista da história da igreja e da teologia cristã, nada foi mais corruptor do que o neopentecostalismo.

Eles inauguram o primado da chamada fé rhema, onde o crente é sustentado por tudo aquilo que sai da boca de Deus, então só precisa ter fé, muita fé.

Os neopentecostais tornaram a fé uma espécie de “abracadabra” da prosperidade, um instrumento para determinar vitórias em todas as áreas da vida. Eu declaro! Eu determino! Eu exijo!

Portanto, o crente só precisa de fé, inclusive para se proteger da Covid-19. Não é preciso tomar vacina, é preciso ter fé em Deus e você estará seguro.

Considerando ainda que o Brasil tem cerca de 11 milhões de analfabetos e 13,4 milhões de desempregados segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2020, com toda sorte de problemas e injustiças sociais, o imperativo da fé rhema parece ser um bálsamo, um conforto emocional, um fio de esperança, apesar de, na verdade, ser uma cilada.

O resultado disso é o fiel ainda pobre e miserável, enquanto pastores, bispos e apóstolos, com seus conglomerados midiáticos, adentram cada vez mais os espaços decisórios do poder, pois, no país, acúmulo de bens e poder andam, como sempre, de mãos dadas.

Será que seremos, então, em futuro próximo, um Estado Teocrático? Não dá para saber, mas uma coisa é certa: esse “vírus” é muito perigoso.

*Sociólogo