Diário de uma quarentena | 54º dia, 13 de maio – O exemplo das matrinxãs
"Quando meu pai criava matrinxãs, uma coisa me chamava atenção, o instinto coletivo de proteção delas"

Neuton Correa, de Neuton Corrêa*
Publicado em: 13/05/2020 às 21:54 | Atualizado em: 13/05/2020 às 22:25
Hoje é quarta-feira. São 20h22.
Sempre começo essas anotações do diário falando dos números de casos e mortes do novo coronavírus (Covid-19) no Amazonas, mas hoje vou iniciar chamando atenção para outro detalhe nesses dados.
É que o vírus está a quatro municípios para conquistar todos os 62 compõem o Estado.
Os lugares mais distantes e isolados do Amazonas são os que mais estão resistindo à contaminação da doença.
Dos quatro, três ficam na divisa com o Acre e estão mais de 1.200 quilômetros de distância de Manaus.
Guajará, por exemplo, em linha reta, está a 1.492 quilômetros da capital.
O Amazonas bateu novo recorde de registros de casos confirmados da Covid-19. Foram 1.648 registros e foi recorde novamente. O Estado está realizando mais testes e essa pode ser a razão da estatística ascendente.
Mais 62 óbitos pelo coronavírus foram somados hoje, um a menos de ontem.
Com isso, o Amazonas já conta 15.816 casos e 1.160 mortos.
O processo de impeachment do governador do Estado e do vice foi suspenso pela Justiça.
Coronavírus no Brasil
Brasil registrou 749 mortes e 11.385 casos de ontem para hoje.
O total de mortes no país pela doença é de 13.149 perdas desde o início da pandemia.
São Paulo continua sendo o estado com o maior número de casos oficiais. São 51.097 casos e 4.118 mortes. O Rio de Janeiro vem em seguida, com 19.156 casos e 1.389 óbitos.
O exemplo das matrinxãs
Quando meu pai criava matrinxãs, uma coisa me chamava atenção, o instinto coletivo de proteção delas.
Isso me fazia supor que todo o movimento do cardume poderia estar sincronizado entre todos os indivíduos daquele grupo.
Do calmo nado à espera da nova água na entrada do viveiro ao mais acelerado deslocamento, tudo parecia se orientar por uma regência.
Minha mãe supunha inclusive que havia inteligência naqueles peixes.
Ela acreditava que o cardume lhe conhecia.
Sim, sustentava isso, depois que notou que todas as vezes que ela ou o meu pai desciam para o igarapé para alimentá-los ou simplesmente para apreciá-los naquele aquário, os peixes iam na direção deles.
Isso, porém, explicava minha mãe, não acontecia quando estranhos apareciam por lá.
Ao contrário, as matrinxãs se aceleravam em onda para se afugentar no ponto mais distante do viveiro.
Pareciam estar protegendo uma às outras.
Meu pai tinha certeza da inteligência delas.
Às visitas, papai oferecia caniços e fartas iscas e desafiava o melhor dos pescadores a capturar mais de cinco exemplares de suas crias.
Mesmo à vista, na cristalina água do viveiro, era impossível tirar uma grande cambada.
Pareciam saber que, se continuassem nadando atrás do anzol, elas poderiam perder a vida.
Entendiam, talvez, que aquilo era uma ameaça.
Hoje, vendo que a cidade de Manaus continua sua rotina quase normal, apesar da pandemia e dos riscos de morte que ela representa, roguei aos céus para que a humanidade, ao menos neste momento, desenvolvesse o instinto de proteção coletiva nas pessoas, assim como faziam as matrinxãs do meu pai.
*O autor é jornalista e diretor-presidente do BNC Amazonas
Arte: Reprodução