Diário de uma quarentena | 51º dia, 10 de maio – Dor de mãe
Dona Maria Moutinho perdeu três filhos para o coronavírus em três semanas, mas segue firme, até dando conselhos

Neuton Correa, de Neuton Corrêa*
Publicado em: 10/05/2020 às 17:49 | Atualizado em: 10/05/2020 às 17:49
Hoje é domingo, Dia das Mães. São 17h08.
A contagem no número de casos confirmados do novo coronavírus (Covid-19) é menor do que ontem. Ontem, foram 1.198, hoje 674, ou seja, 524 a menos.
O número de mortes também foi menor. Ontem, 88; hoje 42.
O Amazonas tem, até aqui, 12.599 casos da doença e ultrapassou a casa das mil mortes, 1.004.
Dos 62 municípios amazonenses, apenas sete não tiveram confirmação do vírus.
Os lugares mais distantes dos centros urbanos se preservam do mal.
Os cemitérios públicos de Manaus estavam fechados neste Dia das Mães para visitas.
Foi a primeira vez na história da cidade que os filhos não puderam render homenagens às mães falecidas.
Movimento no maior cemitério da capital foi a de fila para sepultamentos.
Tristeza e alegria
Integrante do governo que considera o horror vivido pelo povo na pandemia “uma neurose”, o ministro da Saúde, Nelson Teich, perto do País chegar 11 mil mortos disse que este domingo é de “alegria”, pela data, e de tristeza, pelas mortes causadas pelo coronavírus.
Dor de mãe
A mãe que já perdeu um filho/a sabe o que é perder três em três semanas.
Por isso, talvez, uma das primeiras coisas que minha mãe tenha me perguntado, quando hoje liguei pra ela, foi:
“Poxa, meu filho, e a dona Maria Moutinho (foto)?”
Lá, do meio do mato, onde eu e meus irmãos mantemos nossos pais distantes da cidade por causa do coronavírus, a mamãe já sabe da tragédia que contei nesse diário no dia 2 de maio, no 43º dia de minha quarentena.
A morte dos irmãos Beto, Thiago e Iolanda, levados pelo coronavírus.
E respondi para minha mãe:
“Dona Maria ainda teve força para gravar uma mensagem pelo Dia das Mães, pedindo que todas as mães cuidem de seus filhos”.
Dona Maria Moutinho foi reportada pela TV Globo local como um dos símbolos do sofrimento materno que se abate sobre a humanidade neste momento de pandemia.
E o que mais impressionou no vídeo da minha ex-vizinha foi vê-la forte e ainda preocupada com os outros.
E minha mãe, ainda que distante da dona Maria, pelo espaço e pelo tempo, quase 40 anos que se mudou de perto de casa para Manaus, dedica-lhe sentimentos ao seu jeito.
Três anos antes da família Moutinho migrar do interior para a capital havíamos perdido nossa irmã mais velha.
Éramos garotos. Eu tinha 9 anos quando ela morreu. Pouco sentimos e, em pouco tempo, superamos o trauma.
Minha mãe, porém, passou muito tempo sofrendo com a perda.
Agora, depois de tratamento especializado em Manaus, há uns quatro anos apenas, percebo que ela já consegue viver melhor com a partida precoce da Néia.
Talvez tudo o que mamãe sofreu lá atrás esteja imaginando três vezes mais em dona Maria.
Essa dor só as mães sabem como dói.
*O autor é jornalista e diretor-presidente do BNC Amazonas
Arte: Alex Fideles