Diário de uma quarentena | 50º dia, 9 de maio – Até cachorro pede socorro
O sofrimento dele me fez refletir que um pouco mais de sensibilidade, que tanto falta ao Brasil nessa pandemia, poderia aliviar a dor e o sofrimento de muita gente

Neuton Correa, de Neuton Corrêa*
Publicado em: 09/05/2020 às 21:15 | Atualizado em: 09/05/2020 às 21:15
Hoje é sábado. São 20h19.
É cada vez maior o número de mortes e casos confirmados do novo coronavírus (Covid-19) no Amazonas.
A contagem deste sábado trouxe recorde diário de registros, 1.198, deixando para trás os 1.134 casos da quarta-feira passada. Agora, o Amazonas tem 11.925 contaminações confirmadas.
O número de mortos também segue alto. Hoje foram anunciadas 88 perdas, a segunda maior contagem diária da pandemia, após os 102 mortos de quarta-feira.
Assim, o Amazonas tem, em toda a pandemia 962 óbitos.
Comparação
Para se ter ideia da tragédia vivida pelo Amazonas, que possui pouco mais de 4 milhões de habitantes, a Colômbia, que possui cerca de 50 milhões de pessoas, tem menos casos confirmados da doença e também menos números de mortes.
O país vizinho registrou até aqui 10.495 casos e 445 mortos em todo o País. Ou seja: as perdas no Amazonas já são mais que o dobro das que foram registradas na Colômbia.
Luto, churrasco e jet ski
O Brasil hoje ultrapassou a marca de 10 mil mortos (10.611), com os novos 730 óbitos das últimas 24 horas. Dessa forma, tornou-se o sexto do ranking mundial em perdas.
Os casos de infectados pelo novo coronavírus no Brasil somam 155.939. Neste sábado, foram incluídos mais 10.611.
Os quase 11 mil mortos contados hoje fizeram com que os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados decretassem luto oficial.
Mas, o presidente da República que chamou a doença de gripezinha, o desespero da população, de histeria; que respondeu “e daí?”, quando foi perguntado sobre os 5 mil mortos pela doença; que convidou amigos para um churrasco em sua casa neste dia em que o Brasil chegou a mais de 10 mil óbitos, saiu para passear de jet ski.
Até cachorro pede socorro
Há três dias notava o comportamento do Tufão modificando.
Tufão é um vira lata que acolhemos em casa em 2012. Chegou junto com a irmã, Nina, teimosa, indisciplinada, mas carinhosa e querida.
Tufão, ao contrário, é sério, personalidade firme, bravo, um excelente cão de guarda. Se alguém encosta na calçada, ele logo avisa a casa e não para de latir.
Hoje, porém, ele agiu diferente. Latiu quase nada para o serralheiro Rony que veio em casa consertar o portão da garagem, que travou.
Depois que atendi o Rony, o Tufão voltou para a casa dele e ficou procurando meu olhar, quando eu olhava para a direção dele.
Não era aquele Tufão que só para de fazer barulho quando a visita sai.
Mas me distraí e acabei esquecendo dele. No começo da tarde, porém, o Rhaygner me disse:
“Tio, o Tufão não está comendo há três dias e está emagrecendo”.
Não perdi tempo.
“Coloca a coleira e vamos para o pronto socorro”.
Já com o comportamento de paciente, parecendo agradecer o socorro que providenciávamos, ele entrou no carro e nos ajudou até entregá-lo ao veterinário.
Ele recebeu os primeiros socorros de fortes dores intestinais que sentia.
E só ficamos sabendo da gravidade do estado quando o doutor Otávio Neto comprimiu a barriga do Tufão. No toque, ele chorou fortemente, colocando para fora tudo que estava sentindo.
O Tufão fez exames, está medicado e já voltou da consulta bem melhor.
O sofrimento dele me fez refletir que um pouco mais de sensibilidade, que tanto falta ao Brasil nessa pandemia, poderia aliviar a dor e o sofrimento de muita gente.
*O autor é jornalista e diretor-presidente do BNC Amazonas
Arte: Alex Fideles