Diário de uma quarentena | 43º dia, 2 de maio – Adeus, Beto, Iolanda e Thiago
Os três irmãos parintinenses morreram de coronavírus em menos de um mês

Neuton Correa, de Neuton Corrêa*
Publicado em: 02/05/2020 às 19:36 | Atualizado em: 03/05/2020 às 12:51
Hoje é sábado. São 17h22.
O tempo não foi como imaginei ontem. Não choveu as chuvas de março e abril. Mas também não fez o sol de verão que eu tanto esperava para matar o novo coronavírus (Covid-19). Apesar disso, renovo a esperança.
Os números de casos da doença seguem alto, mas baixaram em relação ao recorde de ontem.
Ontem, foram 469 registros; hoje, 339. Com isso, o Amazonas chega a 6.062 casos da doença.
O número de mortes contadas também caiu: ontem, 51; hoje, 25. O Estado passa agora a contabilizar 501 perdas.
Dos 62 municípios, até aqui, 52 estão contaminados. Manacapuru segue como o mais infectado, com 508 casos e 30 mortos.
Manaus amanheceu com uma rebelião no sistema prisional, na unidade do Puraquequara. Diziam estar com medo do vírus.
Aliados do presidente da República e do presidente da ALE-AM organizam manifestação para amanhã. Eles não acreditam na doença.
No Brasil
Nas últimas 24 horas, o Brasil contou 4.970 casos de coronavírus e tem agora 96.559, no total.
As mortes se aproximam de 7 mil. Nas últimas 24 horas, foram 421 óbitos pela doença.
A mídia se voltou neste sábado para o depoimento que o ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio Moro prestou na Polícia Federal, em Curitiba, por ter acusado o presidente da República de tentar interferir em investigações da PF.
O presidente não quer mostrar o resultado do exame que fez para verificar se estava com coronavírus.
Há uma ordem judicial para que mostre o laudo. Ele recorreu à Justiça, mas perdeu o recurso e, por enquanto, está obrigado a apresentá-lo.
Resultado de exame
Me pedindo para não publicar seu nome, amigo que mora num dos lugares mais distantes de Manaus, escreveu para mim:
“Porra, meu amigo, infelizmente, meu teste pra Covid-19 deu positivo. E não estou bem”.
Amigo querido do grupo de WhatsApp testou positivo para a doença. E já está internado. Ele iniciou o tratamento.
Obituário
Perdi ontem mais um vizinho, o Ricardo, pai do Ricardo Borges.
O Ricardo gostava muito de dominó.
Adeus, Beto, Iolanda e Thiago
A meia-noite acabava de anunciar a chegada do dia 2. Eu já fechava o computador quando uma mensagem solitária estalou no WhatsApp, num grupo do qual pouco participo.
Era um áudio do Adriano Góes, ex-jogador, de quem herdei a camisa 2 no União da Ilha, anunciando solenemente:
“Senhores, eu quero comunicar a vocês, sobre o Júlio Sinimbu, aquele parintinense de quem falei aqui outro dia. Morreu outro irmão dele, o Thiago. A tia dele, dona Etelvina, esposa do Pedro Moutinho, há poucos dias, acabou de morrer, também de coronavírus”.
O Tiago é irmão do Beto Lee Sinimbu, que morreu de coronavírus no dia 5 de abril. Contei aqui a história do Beto, do tempo que morava em Parintins, na rua 31 de Março.
Liguei para o Adriano, pedi o número do Júlio, tentei falar com ele ainda de madrugada, mas só consegui por volta das 9h.
“Minha família passa por um momento muito difícil, uma tragédia. Perdi três irmãos pra esse vírus”.
Três irmãos? Repliquei:
“Sim. O Beto, a Iolanda (Sinimbu) e agora o Thiago”.
Quis saber sobre a Iolanda.
“Ela morreu no dia 13, uma semana depois do Beto. Ela era vendedora e viajou para Manacapuru. Acho que foi lá”, disse o Júlio.
Manacapuru, na região metropolitana de Manaus, é hoje a cidade mais infectada do Brasil pelo vírus, segundo o Ministério da Saúde.
E o Thiago (Raniere Thiago)? Indaguei.
“Ele tinha problemas de diabetes, sofreu um ferimento, procurou o hospital, pegou o vírus e ontem teve uma parada cardíaca e não voltou mais”, contou, acrescentando:
“O pior é que, nesta semana, terça-feira, dia 28, a tia Etelvina, também morreu de coronavírus”.
Triste com as notícias, pus a me lembrar da elegância do Beto, da Iolanda correndo na 31 de Março e do Raniere Thiago, retornando de Manaus do Colégio Agrícola.
Eles moraram no lado da casa dos meus pais. Era a família mais numerosa do bairro, com 12 irmãos comandados com as mãos de ferro e de fé em Nossa Senhora do Carmo da dona Maria Moutinho e com o ofício de pedreiro do seu, já falecido, Raimundo Moutinho.
Tenho uma tristeza nessa partida deles. Depois que saíram de Parintins, por volta de 1983, para morar no bairro São Francisco, nunca mais tive a oportunidade de revê-los.
Adeus, Beto, mais uma vez! Adeus, Iolanda! Adeus, Thiago!
*O autor é jornalista e diretor-presidente do BNC Amazonas
Arte: Alex Fideles (Atualizada, dia 03/05, às 12h51)