Diário de uma quarentena | 42º dia, 1º de maio – Que venha o Sol
"Estou com esperança de que esse vírus não terá condições de resistir a esse calor"

Neuton Correa, de Neuton Corrêa*
Publicado em: 01/05/2020 às 21:09 | Atualizado em: 01/05/2020 às 21:54
Hoje é feriado nacional, Dia do Trabalhador. São 20h18.
É, também, mais um dia de triste recorde na contagem de casos e mortos pela pandemia do novo coronavírus (Covid-19).
Nas últimas 24 horas, foram registrados 469 novos casos no Estado. O recorde anterior era de 464, de dois dias atrás. Agora, o Amazonas tem, confirmadas, 5.723 contaminações.
O número de mortes também foi recorde. Foram 51 perdas de ontem para hoje. No dia 25, foram 32 óbitos em um dia. E assustaram! Hoje, só mais uma marca superada, sem repercussão.
Com isso, o Estado chega a 476 perdas em menos de dois meses na pandemia.
O número de curados alcançou 1.708 pessoas.
A doença no Brasil
O Brasil já se aproxima de 100 mil casos confirmados de coronavírus e, com mais 428 mortes em 24 horas, o país já contabiliza 6.410 óbitos na pandemia.
São Paulo é o Estado com o maior número de contaminações, com mais de 30 mil casos e 2.511 perdas.
Meus pais acostumados com o distanciamento
Após duas semanas, consegui falar de novo com os meus pais.
Lembram o último dia que falei com eles? Foi no dia da “Casca quina“, em 15 de abril.
O problema lá, onde estão, é a telefonia rural. Mas consegui.
Mamãe já acostumada e o papai não reclama, porque gosta de ficar, ali, no meio do mato.
Lá, estão seguros e bem protegidos do vírus.
Notei, porém, que a mamãe não está gostando do fato dos meus irmãos não terem ido lá, visitá-los.
“É melhor, mamãe. Eles estão na cidade, onde aumentou o número de casos e mortes e podem levar a doença pra vocês. Aguentem!”, pedi.
E ela respondeu, bem informada, tentando se conformar:
“Eu sei, meu filho, a gente vê aqui pela televisão e ouve no rádio”
Que venha o Sol
Esperei com tanta fé esse 1º de Maio, feriado nacional, que houve momento que parecia que esse dia não chegaria.
Sou da crença parintinense de que essa data marca o início de três fenômenos.
O primeiro é cultural. Dia 1º Maio é o marco inicial da temporada folclórica do meu boi Garantido. Portanto, é o começo da brincadeira mais envolvente da minha terra, das provocações, dos desafios, das novas toadas.
O segundo é consequência do primeiro, crença de que, quando o Garantido bate o tambor na Baixa de São José, está aberta a fartura do jaraqui.
Porque sempre foi assim: no dia da Alvorada do Garantido, pode-se ir ao mercado. Está lá, o peixe fresquinho e muitos ainda na canoa.
O terceiro fenômeno é climático, mas de constatação empírica. Não estou tratando de observação científica.
Mas, minha avó materna, costumava pontuar o 1º de maio como início do calor na Amazônia.
Se fizesse sol nesse dia, para ela, o calor seria intenso nos meses seguintes.
Nunca gostei da quentura, mas eu torci para que o dia de hoje fosse de calor, de bastante sol.
E o dia foi assim: meia-noite, o céu estava carregado, parecia preparar uma grande chuva, o que seria minha frustração. Não aconteceu. Apenas chuviscou.
De manhã cedo, o Sol apareceu sem nuvens e reinou soberano durante toda a manhã.
À tarde, nublou, mas não choveu.
Se minha avó tiver certa, posso dizer que o verão chegou.
Não sei porque, mas estou com esperança de que esse vírus não terá condições de resistir a esse calor, que só nós, aqui da Amazônia, somos capazes de suportar.
Então, que venha o Sol.
*O autor é jornalista e diretor-presidente do BNC Amazonas
Foto: Rubem Ferreira Lima