Diário de uma quarentena | 29º dia, 18 de abril – Fuga do maestro astronauta

"Como um astronauta, o maestro estava lá de capacete e máscara"

Neuton Correa, de Neuton Corrêa*

Publicado em: 18/04/2020 às 21:08 | Atualizado em: 18/04/2020 às 21:08

Hoje é sábado. São 17h.

O número de contaminações divulgadas caiu no Amazonas. De ontem para hoje, 88, dois a menos do que sexta-feira, e muito abaixo dos 209 casos confirmados num único dia, na terça-feira.

O número de mortos diário se mantém alto. Ontem, 21; hoje, 20.

O coronavírus também já sufoca os hospitais públicos e privados da capital. O drama já aparece em vídeos que mostram a população em busca de socorro, sem encontrar urgência no atendimento.

O governo inaugurou hoje um hospital com 400 leitos, preparado em poucos dias.

O vírus parece ter chegado para expor erros históricos.

O Amazonas tem 1.897 casos confirmados, 161 mortos e 432 curados.

 

Trincheiras 

Décimo segundo do ranking de contaminações no mundo, o Brasil conta agora 36.658 infectados, confirmados, e já tem 2.354 mortos. De ontem para hoje, foram contadas 211 perdas.

São Paulo é o Estado mais contaminado, com quase 14 mil casos confirmados e quase mil mortos.

É de São Paulo que vem a imagem do dia: 13 retroescavadeiras abrindo covas coletivas para sepultar os mortos da doença.

As fotos guardam semelhanças com as trincheiras abertas nos campos de batalha da Primeira Guerra Mundial, onde os combatentes lutavam, morriam e eram enterrados.

São Paulo asseverou medidas de isolamento social para que as pessoas se mantenham em casa.

Mas o presidente da República voltou a promover aglomerações, contrariando recomendações da ciência e de seu próprio governo. Ele quer as pessoas nas ruas para que a economia não sofra como sofrem agora os brasileiros.

 

Vírus e política

Nos EUA, onde o vírus já matou quase 40 mil pessoas, o dobro de mortes ocorridas na Espanha, segundo do ranking mundial de mortos e infectados, o presidente puxa um movimento de volta ao trabalho. Mudou o pensamento de dois dias atrás.

 

Fuga do maestro astronauta

O maestro Neil Armstrong não aguentou o isolamento.

Na hora do almoço, ele já havia dado sinal de irresignação à rotina que a pandemia nos impõe agora.

Isso foi ontem.

Falei em hora do almoço porque foi justamente quando sentei à mesa que ele me ligou. Fez uma chamada de vídeo, mas eu recusei. Depois, insistiu e recusei de novo.

Depois tomei a iniciativa de retornar a ligação de vídeo. E ele disse: “Liga pro (Juliano) Petro Velho”.

E assim fiz. E, já com o Petro Velho na linha, ele pediu que inserisse mais um compadre na conferência, o Juveco (José Inácio), que mora em Maraã (AM) e que não atendeu, o que permitiu que incluíssemos o Ney Cabeça (Enerson Gomes), do grupo de WhatsApp Cacique News.

Conversamos só bobagem, bobagem mesmo.

O maestro

Deixa eu apresentar o Neil. Batizado com o nome de astronauta, Neil Armstrong Queiroz Natividade, foi o mais dedicado dos músicos que nasceram da época que frequentávamos os grupos de jovens da catedral de Parintins.

No início dos anos 1990, ele tocou em bandas que faziam shows em casas noturnas da cidade e pelo interior, mas foi a toada de boi bumbá que o tirou de Parintins.

Ajudou a fundar o grupo Canto da Mata, fez parceria com David Assayag e o nosso querido falecido Arlindo Júnior.

No ano passado, no dia 3 de agosto, como recompensa de seu talento, competência e dedicação, o Neil se tornou diretor artístico e maestro da Orquestra de Violões do Amazonas para orgulho de Juruti (PA), onde nasceu, de Parintins, onde se criou, de sua família e seus amigos, que acompanharam sua luta até aquele momento.

A fuga

Pois, depois que publiquei o diário de ontem, quase dez e meia da noite, ele me ligou:

“Tem cerveja por aí, compadre?”, no que respondi:

“O nosso amigo Luiz Alberto, presidente da União dos Paraenses em Manaus (Unasp), mandou uma grade de Tijuca para mim”, respondi e ouvi ele falar:

“Espera. Estou indo aí pegar umas máscaras que encomendei da Darci”.

Cinco minutos depois, meu telefone tocou. Era o maestro, dizendo que estava na frente de casa. Duvidei por um instante e fui atendê-lo.

Como um astronauta, o maestro estava lá de capacete e máscara.

Na hora ele me falou:

“Não aguento mais ficar em casa. Sinto falta de ver as pessoas fisicamente”.

 

*autor é jornalista e diretor-presidente do BNC Amazonas

Arte: Alex Fideles