Diário de uma quarentena | 24º dia, 13 de abril – Cura com banha de Sucuriju
"Seu anjo me disse que viu você se despedindo, dizendo que não sabe se vai amanhecer"

Neuton Correa, de Neuton Corrêa*
Publicado em: 13/04/2020 às 21:12 | Atualizado em: 13/04/2020 às 21:13
Hoje é segunda-feira. São 18h23.
O Amazonas conta agora com 1.275 pessoas contaminadas pelo novo coronavírus (Covid-19).
Com mais nove mortes, os óbitos pela doença, em 20 dias, chegam a 71 perdas.
O vírus já se alastra pelo interior. Mais de 1/4 dos municípios já sentem o drama da pandemia.
Dos 61 municípios, 16 já foram infectados.
Minha preocupação continua com Manacapuru, onde 92 foram diagnosticados com a peste.
No limite de sua capacidade de socorrer as vítimas da doença, o Estado começa a receber ajuda do governo central.
No Brasil
No Brasil, na contagem da doença, o que chamou atenção foi o número de mortos, 105 em 24 horas. Agora são 1.328 óbitos.
Mas, o pior desses números são as projeções feitas pelo ministro da Saúde. Ele diz que o país viverá o pico da doença entre maio e junho.
Ainda estamos no dia 13 de abril.
Você não vai, meu amigo
Meu amigo (de quem falei ontem sem revelar o nome), que susto você me deu!
Olha, falei com o seu anjo. Ele me disse que você está bem e que seu quadro apresenta boa evolução.
Ele me disse que viu você se despedindo, dizendo que não sabe se vai amanhecer.
Pois o seu anjo me falou que você não vai, meu amigo.
Ele disse que você ainda editará mais mil livros e que escreverá mais uma dezena de obras.
Mas, vou lhe dizer uma coisa: antes de falar com o seu protetor, fiquei assustado, com os olhos inundados pelas águas do choro da Lua e, confesso, fiquei pensando em deixar pronto um texto para caso viesse mesmo a se despedir da gente.
Estou até imaginando o texto que já está escrito em sua cabeça.
Amanhã, quero escrever sua alta.
A cura
Acho que a palavra do dia, hoje, foi “cura”.
No noticiário, aplausos aos que estão deixando os hospitais, fotos de quem acaba de sair de uma batalha.
Virou cena comum no País corredores humanos de aplausos pela conquista.
No Amazonas, os números de recuperados da doença já se destacam. São 147 fora de estado de transmissão do vírus.
Porém, o dado aparece como ironia no drama.
Irônico porque outro número que se ressaltou hoje foi o de profissionais de saúde infectados: 57.
E, ao mesmo tempo triste, porque aqueles que curam, médicos e enfermeiros, começaram também a perder a vida.
E foi justamente pensando em cura que lembrei do meu amigo Rodrigo, o nome dele é José Roberto.
Ele veio de Parintins para Manaus há um mês, acidentado. Quebrou um braço e dois dedos.
Porém, o coronavírus já havia desembarcado por aqui e o governo acabara de decretar calamidade pública.
A doença infectava os hospitais e ele não pôde mais buscar a cura para os seus ossos.
Para ele, o drama aumentou, porque também não podia voltar para o interior.
Hoje, liguei para o Rodrigo, querendo suas notícias:
“Eu fugi daí. Já estou em Parintins”.
“E o braço?”, perguntei.
“É melhor ficar com o braço quebrado do que pegar essa doença, ainda mais eu, que sou diabético”.
“E como você vai se tratar agora?”
E ele:
“Com banha de sucuriju, como a gente fazia antes”.
*O autor é jornalista e diretor-presidente do BNC Amazonas
Foto: Divulgação/Secom