Diário de uma quarentena | 23º dia, 12 de abril – Nunca pare de escrever

"Parece até ironia que quase toda aquela equipe que me encorajou a publicar meus três livros foi atacada por essa peste"

Diário de uma quarentena

Neuton Correa, de Neuton Corrêa*

Publicado em: 12/04/2020 às 19:47 | Atualizado em: 12/04/2020 às 20:06

Hoje é Domingo de Páscoa. São 16h28.

Os números de ontem do coronavírus no Amazonas criaram um ledo alívio.

A queda a 68 registros em 24h poderia ser sinal de que o grau de contaminação havia perdido força.

Mas, longe disso. As infecções dispararam.

De ontem para hoje, foram 156 novos casos, fazendo o Amazonas registrar 1.206 diagnósticos positivos.

O número de mortos também aumentou: 62 óbitos, entre eles mais dois indígenas, que, suponho, serão as maiores vítimas desta pandemia no Estado.

 

Ministra em Manaus

Não acaso, neste Domingo de Páscoa a ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, está em Manaus.

Ela veio tratar do tema índios na pandemia.

Esses brasileiros que vivem em regiões distantes dos centros urbanos amazônicos nunca tiveram devida atenção do Estado nacional e ainda morrem de malária, doença conhecida muito antes da civilização cristã.

 

Manacapuru

A contaminação no Município de Manacapuru, interligado a Manaus por uma estrada de menos de 90 quilômetros, preocupa mais a cada dia.

Lá está o maior número de infecções do interior do Estado e, proporcionalmente, talvez, uma das maiores do País, se não for a maior.

O local tem pouco mais de 97 mil habitantes e já conta 87 casos confirmados, com três mortos.

Parintins, com maior população do interior do Estado (114,2 mil), distante da capital a quase 370 quilômetros e onde só se chega de barco, transporte que está proibido por causa da pandemia, tem apenas 11 casos, com três mortos.

Itacoatiara, segunda maior população do Estado (101,3 mil) também tem 11 casos.

Entre Manaus e Manacapuru, o Município de Iranduba, com 48,2 mil moradores, já é o terceiro do ranking no Amazonas, com 13 casos.

 

No Brasil

Em todos os Estados, a pandemia já contaminou 22.169 pessoas e matou, em menos de um mês, 1.223 cidadãos brasileiros, apesar do presidente continuar tratando-a como uma gripezinha.

 

No mundo

O número mundial de contaminações já se aproxima de 2 milhões (1.840.093) e mais de 113 mil mortes.

Os EUA, disparados, são o País com maior número de contágios no mundo. São 547.681 pessoas contaminadas, com 21.733 mortes.

Depois dos EUA, muito atrás, vem a Espanha com 166.127 casos registrados e 17.113 óbitos, e, em terceiro, a Itália, com 156.363 diagnósticos da doença e 19.899 mortos.

Na América do Sul, os argentinos seguem quarentena rigorosa. Na Argentina, só houve ainda 2.142 diagnósticos e 90 óbitos.

 

Nunca pare de escrever

Querido amigo, recebi seu recado hoje de manhã pelo Luis Cláudio. Respeitarei seu pedido de não divulgar seu nome.

Contudo, sei que saberá que estas linhas são para você e que serão lidas por você em seu leito, tão obcecado por leitura que és.

Fiquei sabendo que outros amigos comuns, nossos, também foram acometidos desta Covid-19.

Olhando as fichas técnicas dos livros que publicamos, parece até ironia que quase toda aquela equipe que me encorajou a publicar meus três livros foi atacada por essa peste.

Fiquei agora imaginando qual seria sua resposta para mim, aquela resposta entusiasmada com a literatura:

“Deus quis que o nosso próximo livro começasse ou terminasse com um capítulo tão desgraçado ou tão abençoado como este que agora estamos escrevendo”.

Certamente, não seria assim, em prosa, mas em versos de rimas ricas, metricamente construídas, ou não, com a fluência das palavras que são ricas em sua boca e em seus textos, tão diferente do rarefeito oxigênio de que precisa agora.

Sabe, meu amigo, a notícia de sua internação, não foi a única triste do dia, para mim.

O tio da Darci, seu Darlindo, que vinha em casa jogar dominó, morreu. Não foi de coronavírus.

Mas sentiremos o aperto de não podermos nos despedir dele.

Outra amiga querida de casa também adoeceu. Mas está isolada em casa. E nos alegra agora saber que já está melhor.

Há três semanas, quando comecei a escrever este diário, eu lembrava de você.

“Nunca pare de escrever”.

Anotei o dia que você me falou isso. Era 26 de março de 2018. Portanto, há pouco mais de dois anos.

Sabe quando foi? Naquele dia que você leu alto um trecho de Poranduba Amazonense e concluiu quase aos gritos de sua empolgação:

“O rio Amazonas nasceu do amor desencontrado do Sol e da Lua. Como a Lua não pôde ficar com seu amado Sol, de suas lágrimas nasceu esse lindo rio que banha nossas terras”.

Por fim, meu querido amigo, peço-lhe em resposta:

“Nunca pare de escrever”.

E rogo por sua breve recuperação.

 

*autor é jornalista e diretor-presidente do BNC Amazonas

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