Diário de uma quarentena | 20º dia, 9 de abril – A profecia da máquina
"Hoje veio a resposta para a compra profética da máquina que a Darci fez há 14 anos"

Neuton Correa, de Neuton Corrêa*
Publicado em: 09/04/2020 às 20:01 | Atualizado em: 09/04/2020 às 20:16
Hoje é Quinta-Feira Santa. São 17h46.
O isolamento social faz as coisas ficarem diferentes.
Esta quinta-feira, por exemplo, não guarda nenhuma semelhança com qualquer outra que já vivi no aproximar da Páscoa.
Da mesma forma, a contagem do coronavírus no Amazonas e no Brasil não se assemelha de um dia para o outro.
De ontem para hoje, no Estado, morreram mais dez pessoas da doença e a repercussão já não é mesma desde que morreu o primeiro paciente, há 25 dias.
As vítimas fatais já são 40 e os 95 novos casos anunciados foram informados com certo alívio, porque foram bem abaixo dos 168 contados no balanço anterior.
O Amazonas tem 899 infectados.
Manaus conta hoje 800 casos e já é, proporcionalmente, no País, a cidade com maior número de contaminados pela peste.
Aos milhares
Em todo o Brasil, a doença contagiou, até aqui, 17.857 pessoas.
A gripezinha, como foi menosprezada pelo presidente, já matou 941 cidadãos brasileiros.
Foram quase 2 mil casos novos em 24 horas (1.930).
A tendência é de crescimento, porque hoje muita gente saiu às ruas neste feriado de confinamento.
A cloroquina
A cloroquina é o remédio da moda.
Não há consenso na ciência nem na medicina, mas a substância já é usada em larga escala no País, enquanto não há vacina nem terapia capaz de se tornar um protocolo comum para socorrer quem sofre gravemente do mal.
O medicamento também virou debate político na mídia convencional e nas redes sociais.
O amigo do Cacique News
Aquele, de quem falei ontem, está bem.
Ele foi socorrido por volta das 23h30 por uma ambulância do Samu, em frente à casa dele, na periferia de Manaus.
Nesse momento, hospital não é lugar de socorro recomendado pra ninguém.
Esse amigo é do Cacique News, grupo de WhatsApp sobre o qual já falei em outros capítulos destes registros.
Hoje de manhã, ele mandou um áudio contando que passou mal na terça-feira, dia 7; que ontem, quarta, lutou contra o mal-estar durante o dia; mas que à noite, ao tentar tomar uma sopa, desmaiou.
Ele encerrou os três minutos e 38 segundos da mensagem agradecendo a solidariedade que recebeu dos amigos e nos tranquilizou, dizendo que amanheceu bem e que aguarda resultado do exame que fez na ambulância.
Ele contou que está em isolamento e se despediu:
“Tomara que não aconteça com nenhum de vocês aqui do grupo”.
Só um oi
São 18h25.
O Segundinho, meu filho, acabou de chegar em casa. Não vinha aqui há mais de uma semana.
A chegada dele me fez perceber que já vivemos a cultura do vírus.
O Segundo estava usando uma máscara preta; falou rápido comigo e foi passando para a cozinha para lavar as mãos.
Ele perguntou como eu e a mãe dele estávamos e disse:
“Vim só dar um oi”, e seguiu na direção do quarto do Rhaygner, com quem falou de longe.
E foi-se, sob enxurrada de recomendações da Darci para que tenha cuidado com o vírus.
Foi um “oi” gostoso de se ouvir, pois, numa quarentena como essa, um oi físico vira um longo discurso de saudade.
Máquina de costura
De manhã, enquanto escrevia, a Darci saiu do quarto carregando uma máquina de costura.
Essa máquina já foi tema de várias discussões em casa.
As querelas sempre ocorreram quando tentei encontrar aquele documento que só aparece quando não se precisa e desaparece quanto mais se procura.
E lá está a máquina, ocupando lugar no guarda roupa, ainda em embalagem de fábrica.
Na verdade, as confusões por causa da máquina começaram em 2006, quando ela apareceu com o produto em casa.
Para que serviria, se ela não sabe talhar um vestido?
Propus-lhe que encontrasse uma pessoa que pudesse aproveitá-la, mas ela fez pouco caso, sempre dizendo: “deixa aí”.
Hoje veio a resposta para a compra profética que fez há 14 anos:
A máquina foi comprada para costurar máscara anticoronavírus. Porque foi isso que ela fez o dia todo: costurar máscara, já que o produto está em falta no mundo.
*O autor é jornalista e diretor-presidente do BNC Amazonas
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