Diário de uma quarentena | 14º dia, 3 de abril – Dia do filhote
"Meu objetivo era ter imagens do hospital, que agora ficou no foco da mídia nacional"

Neuton Correa,
Publicado em: 03/04/2020 às 22:25 | Atualizado em: 03/04/2020 às 22:25
Hoje é sexta-feira. São 20h02.
O dia foi corrido, agitado, nervoso, sugado.
As coisas só pioraram desde que o Amazonas confirmou o primeiro caso de coronavírus, no dia 21 de março.
Na primeira semana de contagem, subiu para 81 registros.
Hoje já são 260, com sete mortes, e o pior começa a chegar.
As autoridades de saúde do Estado anunciaram que os casos suspeitos em investigação já chegam a 600 pessoas.
O mal se dissemina rapidamente
A doutora Rosimary Pinto, presidente da Fundação de Vigilância em Saúde do Estado (FVS), que todos os dias anuncia os números da pandemia, fala em explosão de casos nos próximos dias.
São 20h14.
Abro meu WhatsApp e vejo que, o que vinha no varejo nas últimas duas semanas, agora, chega no atacado.
O governo anuncia a morte de cinco pessoas acometidas da doença.
São 19h30
Tenho que interromper esse texto e atualizar o número de mortes no site.
O Amazonas fecha o dia com 12 óbitos.
Mandetta preocupado com Manaus
Mandetta é Luiz Henrique Mandetta, ministro da Saúde.
Ele ganhou a confiança das pessoas, a minha também.
No centro do furacão, ele aparece todos os dias, sereno.
Mas hoje ele falou uma coisa que fará com que o Brasil volte o olhar para o Amazonas e com que as pessoas daqui passem a perceber que não é gripezinha e que cuidados precisam ser tomados.
E o cuidado mais repetido aqui e no mundo todo é o confinamento social.
O Mandetta disse à tarde que a situação de Manaus é preocupante.
A cidade, que recebe pacientes de todo o Amazonas, já está no limite de sua capacidade para tentar devolver o ar que o coronavírus tira dos infectados.
Isso já se pode perceber nas ações do governo, que fala em hospital de campanha no estacionamento do Delphina Aziz, a unidade de saúde para onde estão sendo levados os contaminados graves. Fala também em colocar para funcionar parte de uma universidade particular, a Nilton Lins, onde funcionou um hospital Unimed.
Fotos do Delphina
Assim que o ministro falou da situação, decidi ir ao Delphina Aziz.
Chamei o meu filho, Segundinho.
Considero ele do meu grupo de isolamento, apesar do confinamento do Segundo se dar na casa dele.
Meu objetivo era ter imagens para postagens que virão sobre o hospital, que agora ficou no foco da mídia nacional.
Achei que seria o primeiro a pensar assim, mas, tão logo chego ao hospital, uma equipe de TV apareceu por lá, também querendo fazer imagens aéreas.
Porém o que quero registrar aqui dessa história foi a reação da minha esposa e da esposa do Segundo, a Ana.
Notei que a informação do ministro as deixou preocupadas. Preocupou o Segundo, também.
Tanto foi que a Ana, que estava em casa, e a Darci, disseram que não queriam ficar só.
E foram com a gente fazer as fotos.
Estreia no cardápio
Hoje o almoço foi peixe. Nenhuma novidade nisso.
Mas o nome da espécie do peixe não é conhecido nem muito apreciado em Manaus nem em Parintins.
Filhote é o nome dele.
Nunca eu havia comido, mas eu tenho por costume apreciar o desconhecido, conhecer novos sabores de peixe da região.
Só não compro mais, porque, diferente de mim, a Darci prefere os sabores da moda.
A primeira vez que eu vi um filhote foi em 1989, quando servia ao Exército, em São Gabriel da Cachoeira (AM).
Àquela época, ali, no alto rio Negro, era um pescado comum, mas eu só comia no quartel, no então 5º BEF, hoje é 5º BIS.
Recordo-me de ter olhado para ele com indiferença.
A segunda vez foi em novembro de 2004, em Boca do Acre.
Estava na ponta da língua da dona de um restaurante, na beira do Purus, para me dizer o que tinha para almoço:
“Temos tucunaré, jaú, piraíba, mandi e filhote”.
Parecia ter falado em outro idioma.
Pedi o primeiro, que eu conhecia.
A última vez foi numa luxuosa confraternização de fim de ano, para a qual fui convidado.
Era num restaurante alto padrão.
Ali, um seviche (comida peruana) era devorado como salmão. Desconfiei da cor da carne e disse para o Getúlio Cetraro, que estava comigo:
“Nunca foi salmão”.
E ele:
“É o quê?”.
“Peixe lixo”, respondi, fazendo ele se levantar e ir até o buffet, perguntar e voltar com a resposta:
“Filhote”.
Antes do Carnaval comprei três exemplares que encontrei em Iranduba (AM).
A Darci fez questão de deixar na geladeira, literalmente.
Contudo, hoje, quando fiz uma pausa para o almoço, havia um grelhado à mesa.
Estava enfeitado com cebola, tomate e verduras e com um molho dourado convidativo.
A quarentena fez a minha esposa caprichar.
Assim que pus na boca, fiz uma cara de aprovação e ela me disse imediatamente:
“Filhote”.
Ordem do Gabigol
São 21h49.
Quero escrever mais um pouquinho.
O Gabigol não me deixa.
Quando ele faz isso é porque quer que eu pare de trabalhar.
*O autor é jornalista e diretor-presidente do BNC Amazonas
Foto: do autor