Diário de uma quarentena | 12º dia, 1º de abril – O DJ teve febre e mentiu
O diário de hoje conta que o DJ aprontou mais uma e que o vizinho está preocupado com muita circulação de pessoas na cidade

Neuton Correa,
Publicado em: 01/04/2020 às 20:16 | Atualizado em: 01/04/2020 às 21:13
O Amazonas tem agora 200 pessoas infectadas pelo novo coronavírus.
Foram 25 registros novos em 24 horas.
A doença matou três pessoas no Estado, até aqui.
Há outras mortes suspeitas da doença, mas estão em investigação.
No mundo todo, o coronavírus já infectou 921.924 cidadãos e já matou 46.252, sendo 13.155 só na Itália.
Os EUA seguem com a maior população contaminada, registrada.
Agora são 209.071 americanos infectados.
Na superpotência, foram 25.108 novos diagnósticos em 24 horas, com 4.633 mortos.
No Brasil são apenas 6.836 diagnósticos, mas os mortos chegam a 241, sendo 40 óbitos nas últimas 24 horas.
As bolsas de valores continuam despencando, mas noto que ninguém mais dá confiança para isso, como deu no começo da crise, no início de março.
O noticiário publica, mas o foco é o vírus.
Pintor perdido
De manhã, depois da rádio, saí na frente de casa para tomar um banho de sol.
Na rua, havia um homem magrinho, com uma mochila nas costas, com um enorme celular na mão, andando de um lado para o outro.
Minha casa fica numa esquina.
Ele andava de uma rua para a outra, o tempo todo mexendo o celular.
Parecia-me preocupado.
Uns cinco minutos depois, me abordou, tentando me mostrar a tela do aparelho por entre as grades de ferro:
“Você sabe onde fica essa rua?”
Eu já estava convencido de que assaltado eu não seria.
Assaltos por aqui sempre acontecem. Mas sempre são assim: é uma dupla de moto sempre atacando pedestre.
E é tudo muito rápido: dez segundos. Já constatamos nas câmeras de casa.
Portanto, não era o caso. Então, estava afastada a hipótese de roubo.
Com isso, resolvi tentar ajudá-lo, mas fazendo um pedido.
“Não se aproxime. Eu posso estar contaminado com coronavírus e posso lhe transmitir a doença. Fique aí, na rua mesmo”.
No ato, ele para e de lá mesmo me disse o nome da rua que procurava:
“Rua Arterial. Ele (não sei quem) me disse que era por aqui”.
“Por aqui não é”, tenho certeza, mas, deixa eu ver no Google Maps.
“Está muito longe. Aqui está dizendo que você está a quatro quilômetros de lá”.
Ele pediu para eu entrar em contato com um número que me forneceu.
Dei o recado, ele agradeceu e logo em seguida recebeu uma ligação e foi-se.
O vizinho preocupado
10h30
Uma buzina nervosa, com carro ligado, grita na frente de casa.
Nunca atendo buzina. Por isso, não fui atender.
Mas logo em seguida, da rua, vinha a buzina, o barulho do motor do carro e uma voz masculina, desesperada.
Me incomodei, mas não dei o braço a torcer.
Mas, instantes depois, a buzina para e o motor desliga e ouço a voz, mais claramente:
“Ei, companheiro!”.
Era o Borges, meu vizinho, filho da Mãe Emília.
Ele nem deixou eu aparecer direito na frente dele e já foi logo me dizendo:
“Cara, o pessoal tá brincando. Tem muita gente na rua, o comércio não para. Esses caras estão loucos”.
Apertei a boca, lamentando e disse:
“Não vamos desistir, meu amigo. Vamos continuar pedindo uma pausa. E vamos continuar na nossa quarentena”.
Brincadeira tem hora, DJ
O DJ Kleyton, como você sabe, está em quarentena.
Ele se auto isolou na casa da mãe dele, depois que gripou.
Registrei isso aqui, ontem.
Hoje, ele já teve febre, fato que aumentou minha preocupação.
O Kleyton mora em casa e dei uma bronca nele, porque escapou do nosso isolamento social duas vezes.
Até hoje não engoli as explicações que me deu.
Quando sentiu que estava gripado, foi embora para a casa da Edione.
Nesta quarta-feira, no começo da tarde, fiquei sabendo que ele teve febre.
Então, minha preocupação da terça-feira triplicou.
Mas hoje ele escreveu no Instagram:
“Galera, estou indo pro hospital, ardendo em febre. Orem por mim”.
O Rhaygner me avisou disso.
Aí, minha preocupação sextuplicou.
Minha espinha travou e minha cabeça se acelerou em tomar providências em casa:
procurar orientação médica, providenciar um teste e lacrar o quarto dele, que já está lacrado desde ontem.
Mas só materializei uma coisa:
“Darci, fala com o DJ”.
Ela já ia digitar uma mensagem, quando insisti:
“Liga!”.
Depois, ouvi a fala dela na conversa ao telefone:
“Eu já estava apavorada! Tu é leso, é?”.
Assim, a Darci fez uma série de recomendações pra ele, desligou e eu perguntei o que havia acontecido:
“Só uma gripezinha de primeiro de abril”.
Sacanagem, DJ, brincadeira tem hora.
Parabéns, minha nora
São 19h10.
Hoje é o aniversário da Ana, minha nora, esposa do Segundinho.
Este ano, Ana, vamos comemorar diferente, cada um em sua casa.
Aniversário é para comemorar a vida.
A festa programada para hoje é melhor adiar para quando a pandemia passar.
Será melhor. Faremos como fazemos sempre: com muita gente, muitos amigos, muitos abraços e com muita música do DJ.
Que a noite de hoje você possa comemorar com o Segundinho e o Zeus.
E saiba que todos aqueles que lhe querem bem estão brindando o seu nascimento com alegria e desejando que sua vida se renove por muito tempo.
Parabéns!
*O autor é jornalista e diretor-presidente do BNC Amazonas
Foto: Arquivo/BNC