Diário de uma quarentena | 11º dia, 31 de março – O DJ gripou

As saídas do DJ preocupavam a casa. Agora, a preocupação é com a saúde dele.

Gabigol na Quarentena

Neuton Correa,

De Neuton Corrêa*

Publicado em: 31/03/2020 às 19:33 | Atualizado em: 31/03/2020 às 23:20

Hoje é terça-feira. São 16h38.

O Amazonas tem agora 175 pessoas infectadas pelo novo coronavírus.

Foram 24 registros novos em 24 horas.

Hoje a doença matou duas pessoas no Estado.

Agora, o Amazonas conta três vítimas fatais do vírus.

No mundo todo, até aqui, o coronavírus infectou 846.156 cidadãos e já matou 41.494, sendo 12.428 só na Itália, onde a doença ataca de forma mais letal.

Os EUA seguem com a maior população contaminada, registrada.

Agora são 181.099 americanos infectados.

Foram 21.915 novos diagnósticos em 24 horas.

Brasil conta 5.717 novos registros e 201 mortes, 42 nas últimas 24 horas.

Os militares comemoraram o golpe de 1964.

O presidente da República chorou.

 

Olha o jaraqui! Olha o mamão!

São 12h40.

Da rua, ouço o vendedor anunciar:

“Olha o jaraqui! Olha o mapará! Olha o pirarucu, fresquinho!”

E passou repetindo o anúncio por mais algumas vezes.

Não demorou muito, escuto uma voz feminina:

“Olha o mamão! Três por dez”.

Saí da minha mesa com cinco reais na mão e interrompi a caminhada dela:

“Me dá um”.

“São dois por cinco”.

“Me dá os dois menores”.

Ela iria entrega-los nas minhas mãos, quando perguntei se tinha uma sacola e fui logo interrompendo.

“Espera aqui”.

Voltei com um balde e, mantendo distância, pedi que a vendedora deixasse as frutas lá.

Entrei e fui passando para uma torneira para lavar as frutas.

 

A mensagem do Gabigol

São 9h30.

Meu dia começou cedo e tenso.

As redes sociais haviam amanhecido cheias de informação sobre a morte de um músico, vítima do coronavírus.

A família e os amigos já tinham confirmado na madrugada.

Mas ainda faltava uma fonte oficial confirmar a causa da morte.

Três horas depois consegui, numa agitação além do normal.

Com o trabalho aquecido e em ritmo acelerado, depois da rádio, continuei me atualizando, atualizando o BNC e atendendo ligações.

Quando tudo me parecia acalmar, decidi voltar a escrever.

Mas surgiu o Gabigol.

Gabigol é um gato que apareceu aqui por casa no fim de outubro.

Chorava, chorava na calçada, e os cachorros latiam, latiam, incomodados com ele.

Foi assim por uns dois dias.

Até que fui ver o chorão.

Estava lá o bichinho, todo ferido, nem conseguia ficar em pé.

Não quis colocá-lo dentro de casa.

Minha decisão foi socorrê-lo ali, na rua, para, quando estivesse bom, voltasse para o local de onde veio.

Coloquei comida e água, de manhã, isso no dia 1º de novembro.

Porém, à noite, num vacilo da gente, com o portão aberto, ele entrou e não saiu mais de casa.

Adotei o gato.

Contei a história no meu Facebook e pedi que meus amigos me ajudassem a escolher o nome.

Naquela postagem, a grande maioria sugeriu “Gabigol” e Gabigol ficou.

A lógica da escolha foi a mesma de qualquer escolha de nome: moda.

O Flamengo ganhava tudo, o Gabigol era o artilheiro do ano e deve ter inspirado muitos nomes por aí.

Então…

Eu estava de mal com o gato há algumas semanas.

Isso porque ele andou aprontando por aqui e passei a mantê-lo mais fora da casa.

Contudo, hoje, ele saiu lá do quintal e foi implicar comigo.

O Gabigol subiu à minha mesa, andou pelo teclado e saltou para o meu colo.

Fiz um cafuné, conversei um pouquinho com ele e o deixei no chão, dizendo:

“Fica aqui, Gabigol, tenho muita coisa pra escrever”.

Mas ele insistiu: Subiu à mesa, andou por cima do computador e depois se deitou me olhando e piscando.

Parei e fiquei pensando o que ele estaria querendo me dizer, já que dizem que os gatos têm uma sensibilidade tão apurada que são capazes de sentir o que outros estão sentindo perto deles.

Enquanto lembrava disso, o Gabigol pôs a patinha direita no teclado, quando disse pra ele.

“Tá bom, Gabigol. Vou relaxar”.

 

O DJ gripou

Lembram que eu disse que estava preocupado com o DJ Kleyton?

Hoje ele saiu do quarto eram quase dez da manhã.

Foi pro banheiro, tomou banho rápido, pegou a sacolinha e disse que iria pra casa da Edione, mãe dele.

Olhei desconfiado e perguntei o que estava acontecendo:

“Estou muito gripado, mano. Vou ficar pra lá”.

Sinceramente, espero que seja só uma gripezinha.

Eu já tinha avisado para ele: fica em casa, cuidado com o coronavírus, não vai pegar outra gripe e ter que ir pro hospital, onde o mal está congestionando os atendimentos.

Ele saiu umas duas vezes. Lembram? Contei aqui.

Espero que fique logo bom e, se possível, até sábado, porque eu já estava programando outra rave.

 

O assalto

São 18h30

Ouço um barulho de moto, acelerada.

O Rhaygner fala tranquilo: “É um assalto”.

Daqui, ouço gritos e vejo correria.

Tento ver o que aconteceu.

Mas a Darci fala:

“Já esqueceu do teu sonho cinzento?”

 

*O autor é jornalista e diretor-presidente do BNC Amazonas

Foto: do autor