Diário de uma quarentena | 10º dia, 30 de março – Solidariedade venezuelana
O diário de hoje registra o aumento no número de pedintes, o movimento do pequeno comércio e como as pessoas estão tentando criar renda em tempo de pandemia

Neuton Correa,
Publicado em: 30/03/2020 às 20:14 | Atualizado em: 30/03/2020 às 20:36
Hoje é segunda-feira. São 15h10.
O Amazonas tem agora 151 pessoas infectadas pelo novo coronavírus.
Foram 11 registros novos em menos de 24 horas.
O crescimento é bem menor do que foi registrado no domingo, quando mais 29 casos foram anunciados.
No mundo todo, até aqui, o vírus infectou 766.336 cidadãos e já matou 36.873.
Os EUA seguem com a maior população contaminada.
Agora são 159.184 americanos infectados.
Foram 21.890 novos diagnósticos em apenas 24 horas.
A Itália aumentou pouco o número de falecimentos, em relação à semana passada. Mas segue alto o número de óbitos: 11.591.
Mas uma boa notícia vem de lá: os novos casos começaram a cair.
O presidente da República segue defendendo o fim do confinamento social e a volta das pessoas ao trabalho, para não parar a economia.
A novidade de hoje é que o presidente poderá assinar um decreto, determinando o não isolamento social.
O presidente do Supremo Tribunal Federal se manifestou contra; todos os líderes partidários do Congresso, também.
A posição do presidente também repercute na mídia internacional.
O Brasil tem agora 4.579 infectados confirmados e já morreram no País 159 pessoas.
Pedintes
São 15h37.
Acabo de voltar do portão de casa.
Fui atender uma pessoa que bateu palmas.
Era um homem alto e forte.
Ele estava com uma criança de colo, magrinha.
Pedia dinheiro para pegar o ônibus para chegar ao terminal de integração da Cidade Nova.
Pedi que a Darci resolvesse e ela voltou reclamando:
“Agora vai ser todo dia. Ontem, foi uma mulher também com uma criancinha”.
Reagi pedindo que ela parasse de falar e que se preparasse para uma frequência maior de pedintes.
Primeira saída da Darci e a volta, relâmpago
Hoje foi a primeira saída da Darci de casa na quarentena, em 12 dias.
Ela queria ir ao supermercado, no que lhe disse.
“É hora de comprar as coisas por aqui mesmo. O pequeno comércio pode parar se não tiver atividade. Os grandes têm capital para aguentar”.
E ela:
“Já fui na vizinha, mas não tem algumas coisas que estamos precisando”.
E já foi falando:
“Vamos lá, Kleyton; Vamos Rhaygner”.
E saíram.
Mas não demorou meia hora ela voltou, apavorada.
“Deixei a panela no fogo”.
Minutos antes eu havia olhado o fogão e notado que precisava ser desligado.
Mas ela voltou com a compra feita.
Alívio e preocupação
São 12h. Fiquei aliviado das minhas preocupações com os meus pais.
Eles vivem no meio do mato, na zona rural de Parintins.
Eu e meus irmãos, para protegê-los do coronavírus, pedimos que eles ficassem lá.
O problema é que na semana passada não conseguimos reabastecer o rancho deles.
O governo restringiu o transporte fluvial.
Mas hoje conseguimos mandar a encomenda. Eles já receberam.
O problema foi o relato que o meu irmão Fernando me fez.
“Cara, a cidade, aqui, tá funcionando normalmente. Tem muita gente na rua e os barcos para o interior estão saindo lotados”.
Parintins é a cidade com maior registro de casos do vírus.
Hoje foi anunciado mais um e já são três.
São 18h. O transporte de passageiros por barcos voltou a ser proibido.
Solidariedade venezuelana
Ontem, quase meia-noite, tive uma surpresa.
Buzina e palmas bateram na frente de casa.
Eu e Darci saímos do quarto, desconfiados.
Mas eram dois amigos, cantores, Klinger Araújo e Vanessa Alfaia.
Eles estavam de máscaras e luvas e com uma pizza na mão.
Quando estava para perguntar o que era aquilo, por trás de mim, o DJ Kleyton falou:
“Fui eu que pedi”.
E Klinger completou:
“Mestre, não tem show, não tem festa, não tem nada e o Artêmio continua no leite”.
Eles entregaram a pizza e foram correndo para o carro, dizendo que tinham outra entrega.
Fiquei feliz que eles haviam encontrado uma atividade enquanto o mundo entra em quarentena.
Mas essa história deles não começou com o coronavírus.
O Klinger e a Vanessa encontraram, entre os refugiados venezuelanos que chegaram a Manaus fugindo do regime de Nicolas Maduro, uma babá para o Artêmio.
A babá, por sua vez, trouxe o irmão, que trouxe o cunhado, que trouxe outras famílias venezuelanas.
E todos eles foram amparados pelo casal.
Porém, um dos refugiados trabalhava em restaurante.
Agora, é a experiência dele com venda de comida que cria esperança de sobrevivência para todos eles nesse tempo de pandemia.
*O autor é jornalista e diretor-presidente do BNC Amazonas
Foto: Agência Brasil