Diário de uma quarentena | 6º dia, 26 de março – “A banana e o equilíbrio”

Neste momento de quarentena, o Brasil debate a busca de um equilíbrio entre preservar vidas e manter a economia do país aquecida. Mas os nervos estão aflorados

Neuton Correa, de Neuton Corrêa*

Publicado em: 26/03/2020 às 20:37 | Atualizado em: 28/03/2020 às 11:44

Hoje é quinta-feira. São 17h33.

O Amazonas conta agora 67 casos de coronavírus, confirmados.

No mundo, 23.639 morreram infectados pela doença.

Aqui, morto só um, aquele de Parintins, no Leste do Estado.

Mas a doença já começa a se espalhar pelo interior.

Além de Parintins, ela já chegou aos municípios de Boca do Acre, no Sudoeste, e em Santo Antonio do Içá, a Oeste, onde o Amazonas faz fronteira com a Colômbia e o Peru e onde vive grande parte da maior população indígena do Brasil.

Essa população sofre de assistência médica sem pandemia, imagine com.

 

A inteligência do coronavírus

Há pouco, atualizando os números da doença, um detalhe gráfico me chamou atenção no mapa.

O vírus chegou a Manaus e agora está atacando a gente pelas beiradas.

Seria um ataque organizado, de um ser com alto grau de desenvolvimento?

 

O sono do DJ

O DJ Kleyton de novo voltou a ser minha preocupação.

Ele não escapou da quarentena, não. Foi outra coisa.

Ontem, fizemos um churrasco em casa, com a carne que o vizinho trouxe de Careiro da Várzea (AM). Contei isso aqui ontem, no quinto dia do diário (ver link abaixo).

Nada festivo. Foi uma iniciativa com o objetivo de sairmos um pouco das redes sociais e da TV.

Assamos seis pedaços de bisteca: um pra mim, outro pra Darci, um pro Rhaygner, outro pro DJ e pro Segundo e a Ana, esposa do Segundo. Esse é nosso time completo da quarentena.

Isso já beirando às dez da noite.

Então, comemos, conversamos, rimos um do outro e fomos dormir.

Acordei às 5h.

Atualizei o BNC, me atualizei da cobertura nacional lendo outros sites e assistindo TV.

Rotina normal: Rhaygner se levantou às 6h (ele põe o celular pra despertar nesse horário); a Darci às 7h.

Mas o DJ…

Às 7h45 fiz minha participação na rádio.

Às 8h10, encerrou.

E logo em seguida promovi reuniões on-line com o Israel Conte e com o Aguinaldo Rodrigues, jornalistas do BNC, para afinar a cobertura do começo do dia.

E nada do DJ.

Já era nove da manhã. E continuei a trabalhar numa mesa de vidro que acabou se tornando meu escritório, meu estúdio e ponto de observação da casa.

Dessa posição posso observar os três quartos, a sala, o portão da garagem e a cozinha.

Ninguém se mexe na casa sem que eu perceba.

“Será que não fez noite no quarto do DJ?”, pensei.

Não era a falta de preocupação dele com o mundo que me intrigava.

Cheguei várias vezes a imaginar:

“Será que ele está infectado e não quer sair? Está com febre?”.

Nos primeiros dias de nossa quarentena, ele escapuliu. Lembram?

Até que, finalmente, o Kleyton apareceu.

Mas isso já era quase uma da tarde e eu estava de saída para a jornada vespertina na sede do BNC, onde tenho tido mais concentração para escrever.

Ainda não sei o que aconteceu. Mas acho que está tudo bem, porque até agora a Darci não falou nada.

 

A banana do quintal

Na hora do almoço, tive um instante de satisfação.

Foi a de poder provar da banana do quintal do BNC.

Não foi a primeira colheita nem a segunda.

Essa, porém, teve um gostinho especial.

Foi o primeiro cacho que eu mesmo colhi.

Também foi o primeiro resultado do manejo que fiz nas touceiras do bananal.

Quando o terreno foi comprado, exatamente há um ano, era um amontoado de plantas que só produziam cachos raquíticos e bananas com muita casca e pouca polpa.

A regra é, aprendi ainda na infância, quando morava no sítio dos meus pais, no Miriti: em cada touceira só pode haver três plantas: a mãe, a filha e a neta.

O resultado foi um cacho grande e de banana deliciosa, que saboreei como sobremesa de um caldo de acará-açu.

 

O debate

Mas o dia, mesmo, começou com a repercussão do 6º capítulo do “Diário de uma Quarentena”..

Na quarta-feira, fiz um texto, que, além do propósito em si desse espaço, expressava a ideia de que o confinamento é um mecanismo experimentado em todo mundo, que pode conter o avanço do coronavírus.

Contudo, um internauta, no meu perfil do Facebook, acusou-me de estar espalhando pânico.

E defendeu que as pessoas saíssem às ruas.

Ele disse isso, argumentando os prejuízos econômicos que o confinamento poderá provocar ao País.

Retruquei-lhe dizendo que ele fizesse isso, mas que protegesse sua família.

Depois, lembrei-lhe que não adianta economia forte com povo doente, morrendo.

Por fim, informei-lhe que já tenho amigos infectados, sofrendo, e que perdi um para a doença e que nem enterrado ainda foi, de tão desconhecido que é o assunto.

E arrematei assim a discussão: “Morrer é verbo com significado pleno, sem predicativo algum para completar seu sentido”.

Logo, um verbo intransitivo.

Mas, intransitivo, também, é esse debate.

A discussão com esse internauta não está desligado do contexto nacional.

As opiniões fluíam de todos os lugares e patamares: do presidente da República ao presidente do Congresso; do médico ao advogado. E por aí vai.

Esse foi o tema do dia: tentar encontrar um equilíbrio entre economia e saúde; entre dinheiro e vida.

O outro equilíbrio que está em falta é entre as pessoas, de respeitar o que cada um pensa.

Do debate, sempre dois perdem e todos ganham, porque um pouco de cada se funde como resultado da discussão.

 

*O autor é jornalista e diretor-presidente do BNC Amazonas

 

Leia os outros capítulos

Diário de uma quarentena | Primeiro dia, 21 de março – “Meu filho”

Diário de uma quarentena | Segundo dia, 22 de março – “Meu violão, minha angústia”

Diário de uma quarentena | Terceiro dia, 23 de março – “Filosofia e fé”

Diário de uma quarentena | 4º dia, 24 de março – “Adeus, conterrâneo!”

Diário de uma quarentena | 5º dia, 25 de março – “A sinfonia voltou”