Diário de uma quarentena | 4º dia, 24 de março – “Adeus, conterrâneo!”

Hoje o dia fecha com uma notícia triste: a primeira morte e justo de Parintins, terra natal do autor

Neuton Correa, de Neuton Corrêa*

Publicado em: 24/03/2020 às 22:27 | Atualizado em: 28/03/2020 às 11:43

Hoje é terça-feira. São 22 horas.

Há uma hora o pior aconteceu: a primeira morte pelo novo coronavírus.

Eu estava para publicar esse post, mais cedo, quando recebi a informação e resolvi esperar um pouco mais pela última notícia do dia.

Pior para mim, porque o primeiro óbito é de um paciente de Parintins.

O Geraldo Sávio morreu, mas sua partida deve ajudar a salvar muita gente aqui no Amazonas.

Deve ajudar a salvar muitas vidas em Parintins.

Lá, parece que as pessoas ainda não se deram conta da gravidade da doença.

Oficialmente, até aqui, o Estado já conta 47 casos da doença, ante aos 32 registros de ontem.

O dia também fecha com a primeira perda.

 

Dia de Sol

Diferente de ontem, que choveu o dia todo torrencialmente, hoje fez Sol em Manaus.

Aproveitei para fazer um faxinão na casa.

Numa estratégia de manter o DJ Kleyton recolhido, coloquei ele e o Rhaygner para organizar a sala que havia virado depósito dos equipamentos de transmissão do BNC AMAZONAS.

Eles capricharam: organizaram tudo e até criaram um ambiente novo para reuniões em casa, para quando a pandemia passar, é claro. Ou só para nós quatro: eu, a Darci, o Kleyton e o Rhaygner.

 

Cantiga de grilo

Hoje precisei sair de casa.

Tive que ir ao comércio por dois motivos que se tornaram imperativos.

Primeiro, a comida dos quatro cachorros, da Nina e do Tufão, que moram em casa, e do Rassan e da Negona, guardas do terreno do BNC, acabou.

Tentei um delivery, mas os contatos que eu tinha estavam sem a ração que eles comem.

Entrei na internet para encontrar outro fornecedor, mas a Darci começou a resmungar.

Estava reclamando que queria o cabo do notebook dela.

Já vinha martelando isso há alguns dias.

Mas, desde segunda-feira, dia 23, a música virou cantiga de grilo, porque ela também passou a trabalhar de casa.

O cabo foi o BNC que deu o fim.

Alguém foi lá, pegou o fio e não devolveu mais.

Então, decidi resolver as duas situações, expondo-me ao risco de sair para fazer compras.

Nos dois locais onde fui, notei grande preocupação em evitar contaminação da doença.

Menos mal.

 

De novo, a comida da Darci

Rendeu discussão na hora do almoço em casa.

A Darci continua fazendo comida para estivador, corredor, menos pra quem está parado, em confinamento.

Mais cedo, por exemplo, conversamos que as refeições deveriam ser mais leves.

Meio-dia, pontualmente, de novo, ela veio com o prato principal: picadinho.

Mas logo em seguida, surgiu carregando, com dificuldades, uma travessa de macarronada.

“Gado em confinamento morre”, disse-lhe.

E ela:

“Quer que eu faça o quê?”

“Nada sem exagero”, respondi.

Saí da mesa, apressado, para organizar a cobertura da divulgação dos últimos números do tal coronavírus.

 

“Por favor, não me toque!”

Nesse meu sexto dia de isolamento social, notei que já estou desenvolvendo reflexos de autodefesa a possíveis ataques do novo coronavírus.

Acho até exagerado, mas percebo também que são o corpo e a mente se adaptando a esse estado do que não se conhece.

Reagi assim num contato com minha mulher, hoje de manhã.

Ela se aproximou para falar alguma coisa e no ato inclinei o tronco para trás e ao mesmo tempo para o lado esquerdo.

Pouco antes, havia acontecido algo semelhante, mas justificável.

Foi com o meu vizinho, Luiz Borges.

Ele ia passando de carro na frente de casa, quando nos cumprimentamos.

Mas ele falou de política, eu acenei que gostei da conversa e nos tacamos a dialogar.

Até aí tudo bem.

Ele estava na rua, dentro do carro, e eu, no quintal de casa, atrás de um portão de grades de ferro.

Mas Borges queria mais.

Queria me contar bastidores das pré-campanhas e para isso queria sussurrar.

Sabe aquela conversa baixinha, ainda que não tenha ninguém por perto?

Então…

Mas em tempo de coronavírus, Borges, não.

Claro que não falei isso.

Mas toda vez que ele tentava se aproximar de mim para falar, eu me afastava a dois metros.

Ele entendeu e levamos o papo assim.

Mas havia momentos que ele queria me tocar.

Fez várias tentativas até que eu lhe dissesse:

“Meu amigo, por favor, não me toque”.

Nessa hora, dois vizinhos passaram, cumprimentaram ele, se abraçaram e foram embora.

Depois disso, não tive dúvida:

Entrei pra casa e ele me pediu água e sabão para lavar as mãos numa torneira que uso para molhar as plantas da beira da rua.

 

*O autor é jornalista e diretor-presidente do BNC Amazonas