Diário de uma quarentena | Primeiro dia, 21 de março – “Meu filho”
Providências para enfrentar a quarentena e outras medidas contra o coronavírus

Aguinaldo Rodrigues, de Neuton Corrêa*
Publicado em: 21/03/2020 às 16:24 | Atualizado em: 28/03/2020 às 11:43
Chamo de primeiro dia neste diário da quarentena do coronavírus aquele em que meu filho, Neuton Segundo, disse-me: “Pai, por que tu não escreves sobre isso?”.
Estávamos no carro, conversando sobre o dia a dia da pandemia do coronavírus em Manaus.
Retornávamos de uma consulta com o doutor Raniere Alfaia. O Segundo estava com os olhos inchados.
Encontrei meu filho nesse estado hoje pela manhã, quando fui à casa dele, por acaso. Ele veio me atender com óculos escuros.
Eu perguntei o que era, e ele respondeu:
“Uma conjuntivite”.
Liguei imediatamente para o Raniere, que, de pronto, nos atendeu.
Fiquei preocupado porque seria mais um vírus em meio ao pavor do coronavírus.
Na noite anterior eu já havia chamado atenção do Segundinho porque queria reunir os amigos para um churrasquinho.
“Pouca gente, pai”, apelou.
“Pouca gente nada, rapaz! Recolha-se! Imponha-se à quarentena. Fica em casa”.
Ainda não perguntei se fez ou não a reunião de amigos. Acho que não, porque, quando fui à casa dele, não vi vestígios de copos, carvão ou churrasqueira.
Na consulta de hoje, contudo, acho que as coisas ficaram mais claras para ele.
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Memória dos últimos dias
O Amazonas começou a despertar para a ameaça do vírus só nos últimos cinco dias. Apesar do farto noticiário sobre o que está acontecendo pelo resto do mundo.
Até domingo, dia 15, parecia que estaríamos imunes; que o calor dos trópicos nos protegeria.
Mas, não! O coronavírus chegou.
Os últimos números publicados ontem pelo Governo do Estado mostram sete casos confirmados.
Por causa disso, nas ruas já é possível notar uma mudança de comportamento das pessoas, com reflexo na cidade.
O trânsito, por exemplo, já não possui mais congestionamento desde a terça-feira, dia 17.
As aulas estão suspensas em escolas e faculdades. Da mesma forma, até as academias fecharam.
Amigo doente
Já tenho um amigo acometido pela doença, o juiz Marco Antônio Pinto da Costa. Ele é membro da corte do Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (TRE-AM).
Na quinta-feira, dia 19, não foi ao trabalho, mas participou do julgamento on-line. No dia seguinte, fiquei sabendo do fato. Que Deus o projeta, a ele e à sua família.
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Medidas pessoais
Em casa, na quinta, dia 19, portanto, tomei algumas medidas para tentar proteger as pessoas que trabalham comigo e ajudar no enfrentamento à pandemia.
E me proteger também.
Por exemplo, pedi que o Vagner, de 61 anos de idade, ficasse em casa. Minha preocupação era que ele ficasse exposto ao vírus no transporte público da cidade, sempre lotado e onde o controle sanitário ainda não é confiável.
Também pedi que meu irmão Agnaldo, pau para toda obra, que também me ajuda por aqui, embora já esteja trabalhando como professor da rede pública, da mesma forma, ficasse em casa com a família.
Dispensei a Nazilmar Moraes de Souza. Na verdade, ela vai saber hoje por este diário, que precisará ficar em casa.
Antes, recomendei que ela voltasse na segunda-feira, dia 23.
Vou ficar com saudade da comida que ela faz pra gente, minha família e para a equipe do BNC Amazonas que almoça em casa.
Mas, quero protegê-la.
Medidas no BNC
Da mesma forma, recomendei que todos os jornalistas do site começassem a trabalhar de casa.
Na empresa, só o Zeca Barcelos, que vai operar os serviços de streaming do site.
Só no virtual
Entrevistas agora só on-line. Isso já está acontecendo e deverá ser uma prática mesmo quando a pandemia passar.
Aliás, o mundo, que há muito tem suporte tecnológico para funcionar virtualmente, depois do coronavírus passará a ter relações ainda mais pela internet.
Mamãe, papai, fiquem no interior!
Na quarta, dia 17, fiquei sabendo que meus pais, que estão no sítio deles, a uns 40 quilômetros de Parintins, estavam preocupados com a doença.
Avisaram que retornariam pra cidade ontem, dia 20.
Tentei falar com eles. Não consegui. Só consegui ontem conversamos.
Papai me contou que havia colhido uma boa quantidade de laranjas para passar esses dias de coronavírus na cidade.
Pedi que não fizessem isso.
E disse-lhe que lá estão mais protegidos que nós, que estamos na cidade.
Combinei com meus irmãos que moram em Parintins que levassem mantimentos para eles e trouxessem a produção deles.
“Chegando lá, falem com eles a distância, vão pro igarapé, tomem banho com sabão grosso e conversem com eles”, disse ao Neudson e Fernando.
Nossos encontros diários
Neste momento, assisto ao pronunciamento do governador de São Paulo, João Dória. Ele anuncia 15 mortos por coronavírus.
De hoje em diante, espero nos encontrar todos os dias e narrar o que está acontecendo aqui por Manaus.
As últimas
Neste momento, em que encerro esse primeiro dia de conversa para o futuro, recebo a informação que o prefeito de Manaus, Arthur Neto (PSDB), mandou fechar o complexo da Ponta Negra.
De maneira idêntica, o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), fez em relação aos bares e restaurantes. Da mesma maneira como já havia feito em relação às viagens nos nossos barcos de recreio para o interior do estado.
Remédios amargos, sem dúvida, mas necessários. Outras restrições ainda vão ser tomadas. Torçamos para que não cheguemos ao estado de quarentena obrigatória.
Até amanhã, com as bênçãos do Criador.
*O autor é jornalista e diretor-presidente do BNC Amazonas
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil