Tem flor no Cacto

Aguinaldo Rodrigues

Publicado em: 05/08/2010 às 00:00 | Atualizado em: 05/08/2010 às 00:00

Para a Profª Garcilenil

Ivânia Vieira*

A terra é árida. Tem ranhuras multiplicadas. Até os pés de lavadeira, generosos que são em se multiplicarem, já não conseguem criar raiz. A poeira avança e turva a imagem deixando a impressão de que ver, compreender e sentir não tem mais importância nenhuma.

Ironicamente, foi nessa terra sem vida aparente, de tamanho estreito, que um cacto acaba de florir. São as suas primeiras flores, amarelas, pequeninas e belas. São três florzinhas. Nasceram pela persistência de completar a vida da planta por tantas vezes morta na superfície pela falta de atenção. Mas lá embaixo fios de raízes entrelaçaram-se, ganharam força, revigoraram o cacto e produziram flores. Em meio ao verde-escuro, o amarelo delicado faz a dança da combinação. Mais que isso: é vida em alegria.

Eu tinha deixado de olhar – para ver – essa plantinha. Passava por ela carregando livros e pastas e pensava: esse cacto não vai sobreviver mesmo. Então, num pacto, sem testemunha, assumi o compromisso de lançar sobre a planta um pouco de água. Assim foi feito, de forma irregular, duas vezes por semana, uma vez por semana… E nesses dias, numa dessas passadas, o cacto me surpreendeu. Era cedo da manhã, eu apressada para chegar ao campus da Ufam, e quando olho para a planta eis o presente singular. Descubro, agora, detalhes importantes, como o crescimento das flores ainda que decididamente minúsculas, o amarelo cada dia mais amarelo se agasalhando no verde e ambos tentando viver.

Olho a rua onde fica minha casa, tomada por águas servidas e o lixo da classe média deseducada; olho o bairro e olho a cidade e, de novo essa rua, um pedacinho de Manaus tentando sobreviver aos ataques das pessoas importantes que nela vomitam a ignorância das atitudes e, assim, transformam o lugar em terra rachada. Penso no cacto pequenino, nas poucas gotas de água e no simbolismo dessa floração. Se os fios da raiz forem entrelaçados, a superfície muda e até podemos sonhar com os jardins. A tarefa é descobrir qual é o nosso fio e com qual raiz faremos a aliança.

*Jornalista e professora da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

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