Philippe Coutinho, Neymar e a galinha do Hitler

Hitler

Aguinaldo Rodrigues

Publicado em: 22/06/2018 às 22:27 | Atualizado em: 22/06/2018 às 22:28

Por Thomaz Antonio Barbosa*

 

“Hoje eu vou tomar um porre

Não me socorre que eu tô feliz

Nessa eu vou de bar em bar

Beber a vida que eu sempre quis

E no bar da ilusão eu chego

É pura paixão que eu bebo”

(“De bar em bar, Didi um poeta”, samba-enredo 1991 da União da Ilha do Governador – Autor: Quinho)

 

O Brasil amanheceu cheio de problemas e vai anoitecer um país perfeito, até porque hoje é sexta-feira. Vencemos a Costa Rica e se o preço da gasolina baixar cinquenta centavos o Temer se reelege no primeiro turno. A galinha do Hitler passou aqui na minha frente, depenada, em carreata, tocando corneta, comemorando um país do futuro, solidário, sem guerras e muito futebol.

É a vitória de quem estava oprimido com assaltos, drogas, crises, impeachment, prisões, baixos salários, acossado sem moradia, agora abastecido de um sentimento que supera tudo isso e ainda leva dois gols de saldo para a última rodada. Vencemos, somos foda, ninguém nos segura!

Hoje não falta nada. A cerveja estava gelada desde domingo, um dia magro, depressivo e depreciativo para o nosso maior produto: a falsa alegria. As esperanças se reacenderam nos pés de Philippe Coutinho e transbordaram nos de Neymar, um guerreiro tribal que traz em seu corpo as marcas de batalhas, em tintas derramadas, formando uma paisagem sem significado aparente, tanto quanto o desempenho que até então tinha mostrado, nitidamente redimido em um toque ao gol.

Há quem diga agora que a greve dos caminhoneiros não obstruirá nossa estrada rumo ao hexa e que o decreto 9.394 não irá afetar a nossa coca-cola, nem a cerveja do próximo jogo. Iremos com tudo rumo ao triunfo, e não me venha com essa história de que não conhece o Firmino e que o Thiago Silva é tremedeira que eu quebro o pau. Nossa seleção ninguém tasca!

Nossos craques repousarão em berço esplêndido por algumas horas, merecidamente. A professora que se queixava da vida concorda, o médico, o pedreiro, o motorista do busão, todos concordam que os heróis nacionais são aqueles de chuteiras. Somos irmãos neste momento, a maior nação do mundo. Problemas, quem disse?

É hora de extravasar, farinha tem na mesa. Tem funk, pagode, sertanejo, todos os resquícios da cultura machista esculachando a mulherada nas letras, no ritmo, na dança, mas o preconceito brasileiro está na Rússia e isso a gente viu na internet, e vamos punir exemplarmente para que o mundo saiba que não concordamos com a deterioração da mulher.

Acabado tudo isso, vamos descer ao boteco e beber todas ouvindo “só as cachorras”, as “popozudas” que só querem “vrau, vrau, vrau”. Viva o Brasil, o melhor país do mundo! Mais justo, mais humano, com uma cultura popular enraizadamente forte e bem representativa. Tenho certeza que ela se sobrepõe às questões de gênero, pois ninguém se manifesta.  E porque faríamos, se tudo é festa em terras tupiniquins?

Bosta é essa tal de política e esse tal de sentimento de mudança. Onde já se viu um país que vence a Costa Rica por 2 a 0 em plena sexta-feira de manhã ter que se preocupar com essas coisas? Papo intelectualóide não ganha jogo.  É hora de consumir, acabou a partida e a panela foi para o fogo vazia, mas tudo bem, e daí? Estamos na copa!

E a palavra VAZIA soa forte em si bemol ao melhor estilo do cancioneiro popular. Seria a ALMA VAZIA, então, o motor que propulsiona essa ALEGRIA VAZIA? Depois vem a Alemanha para a gente relembrar aquele refrão que diz “e tudo deu em nada… Que hoje o meu mundo não tem graça… Perdido no vazio que você deixou”.  Aliás, o vazio daquilo que não conquistamos.

A busca ao hexa – talvez, quem sabe – possa representar a educação de qualidade que, essa sim, não conquistamos, a família sólida que não tivemos, a casa que não moramos, a segurança que não temos, o plano de saúde, o emprego estável…

Uma estrela no peito seria para nós aquela que não temos no ombro esquerdo ou no chapéu?

Como hoje é sexta-feira, e o Brasil venceu a Costa Rica de uma forma extraordinária, vou tomar um gole de cerveja com a galinha do Hitler que passou aqui na frente e se ela me explicar as razões dessa euforia toda, desta vez eu tomo um porre!

 

*O autor é contador, formado em ciências contábeis pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), MBA em marketing pela Universidade Gama Filho e mestrando em ciências empresariais na UFP/Porto, em Portugal.

 

Foto: Max Rossi/Reuters (Reproduzido do site El Pais/Brasil)