Haddad: ‘Vamos forjar uma nação?’
Fernando Haddad que os mais ricos da população contribuam de forma justa com o sistema tributário nacional

Aldenor Ferreira*
Publicado em: 02/08/2025 às 01:00 | Atualizado em: 02/08/2025 às 09:05
Em entrevista ao influenciador Presley Vasconcellos, o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defendeu a necessidade de que os segmentos mais ricos da população contribuam de forma justa com o sistema tributário nacional. Segundo Haddad, esse é um passo importante para a construção de uma nação brasileira soberana.
A fala do ministro retoma uma questão central na estruturação dos Estados Nacionais modernos: a justiça fiscal como condição para o pacto social. O ministro está coberto de razão. É amplamente reconhecido que nenhum país alcançou altos níveis de desenvolvimento com um sistema tributário regressivo, em que os mais pobres pagam proporcionalmente mais que os mais ricos.
Por que no Brasil seria diferente?
Nos países centrais do capitalismo – ou, na definição dada por Ha-Joon Chang, nos Países Atualmente Desenvolvidos (PADs) – a progressividade tributária foi, e ainda é, um pilar para o financiamento do bem-estar social e a redução de desigualdades históricas.
Ao se observar o contexto da Europa no pós-Segunda Guerra Mundial, é evidente que aquelas nações enfrentavam destruição generalizada e sérias dificuldades econômicas. Ainda assim, em poucas décadas, conseguiram alcançar altos níveis de prosperidade. O que explica essa transformação acelerada? Em grande medida, a adoção de políticas fiscais progressivas e sistemas de proteção social robustos.
Diante disso, impõe-se uma reflexão: por que o Brasil deveria seguir um caminho diferente? Durante a entrevista, Haddad relembra as raízes da desigualdade no Brasil e critica o comportamento das elites econômicas nacionais, frequentemente marcadas por um espírito antinacional.
Trata-se de um segmento social que, historicamente, se beneficiou de políticas públicas voltadas à concentração de renda e patrimônio, com a manutenção de privilégios herdados desde o período colonial. A sua relação com o Estado brasileiro é pautada por um padrão extrativista no qual os lucros são privatizados e as perdas socializadas.
Elites econômicas resistentes
Poucos países apresentam elites econômicas tão resistentes a qualquer forma de redistribuição quanto o Brasil. Desde a colonização, consolidou-se um modelo em que o enriquecimento de poucos se deu às custas da exploração de muitos, com sucessivas evasões de capital e acúmulo patrimonial desconectado do interesse coletivo. Esse padrão de acumulação predatória mantém-se, em grande medida, intacto.
É nesse contexto que a proposta do governo Lula, com Haddad à frente do Ministério da Fazenda, de reformular o sistema tributário, ganha relevância histórica. Não se trata apenas de corrigir distorções econômicas, mas de reconstruir os fundamentos de um projeto nacional inclusivo.
O desafio é imenso: exige enfrentamento de lobbies poderosos, articulação política sofisticada e, acima de tudo, um processo pedagógico de convencimento da sociedade sobre a importância da justiça fiscal.
Contradição capitalista
Em outro momento da entrevista, Haddad, com lucidez e conhecimento técnico, evidencia uma contradição fundamental do próprio sistema capitalista, qual seja: sem a produção de mercadorias e sem pessoas que as consumam, o capital não se reproduz.
Nesse sentido, ao isentar os super ricos da sua responsabilidade fiscal, compromete-se a capacidade de consumo das classes populares. Com isso, a sustentabilidade do próprio mercado interno. Noutras palavras, é irracional, sob a lógica econômica, que o ônus do financiamento do Estado recaia sobre os que menos têm, sufocando, dessa forma, a demanda e perpetuando a pobreza.
Na entrevista, Haddad certamente tensionou interesses históricos e estruturais. Afinal, para estes setores que se acostumaram a explorar o Estado e a classe trabalhadora, trata-se de um chamado incômodo, visto que o ministro propõe romper com um modelo secular de privilégios assentado no modelo primário-exportador. Um modelo que, de Cabral aos nossos dias, tem imposto ao povo brasileiro a conta do enriquecimento alheio.
Considerações finais
Portanto, a defesa de uma reforma tributária progressiva no Brasil, como apresentada por Fernando Haddad e Lula, representa mais do que uma medida econômica; é um ato político de reconstrução nacional.
Se a ideia de “forjar uma nação” tem sentido, ela passa necessariamente pela redistribuição de responsabilidades e recursos, pela superação de desigualdades históricas e pela consolidação de um pacto social verdadeiramente democrático. O Brasil do futuro dependerá da coragem política de hoje.
Tenho dito!
*O autor é sociólogo
Arte: Gilmal