As vaqueiras do boi Garantido

Em 2025, serão 12 vaqueiras do total de 40 componentes.

Dassuem Nogueira, da Redação do BNC Amazonas em Parintins

Publicado em: 22/06/2025 às 15:02 | Atualizado em: 23/06/2025 às 08:44

A vaqueirada é um item coletivo que deriva do auto do boi-bumbá parintinense, onde existem os vaqueiros que tangem o gado e zelam pelo boi mais bonito da fazenda e preferido do patrão.

A vaqueirada passou a ser item no surgimento da primeira competição entre bumbás, ocorrida em 1956 – o primeiro festival folclórico de Parintins foi realizado em 1965.

Esse coletivo resiste como um núcleo da tradição e da comunidade, nele não há brincantes de fora de Parintins.

No Garantido, assim como a batucada, reunia a boêmia da baixa da Xanda, com vaqueiros icônicos da comunidade, como Coronel, Chuí e Corujinha.

E, há pouco tempo, era um núcleo exclusivamente masculino, com entrada pontual de mulheres ao longo de sua existência. Mas, em 2025, serão 12 vaqueiras do total de 40 componentes.

As primeiras vaqueiras

Mira, esposa de João Batista, filho de Lindolfo Monteverde, teria sido a primeira vaqueira do Garantido no festival, durante a década de 70.

Em seguida, Ângela assumiu o posto de única vaqueira entre os rapazes na década seguinte.

Na década de 90, eram duas: Dora e Janaína.

Em 2015, Tânia, filha do vaqueiro Corujinha, tornou-se vaqueira. Em 2019, Silvia passou a fazer dupla com ela..

Em 2020, não houve festival por conta da pandemia da covid-19. Em 2021, realizou-se uma apresentação sem público no bumbódromo de Parintins e a dupla de vaqueiras se apresentou novamente sozinha.

Em 2022, entraram Gleuba e Dil, somando quatro. Em 2024, elas eram 15 e, neste ano, serão 13 vaqueiras.

Foto: divulgação

Representatividade importa

O BNC Amazonas conversou com as vaqueiras do Garantido sobre como entraram na vaqueirada.

Sílvia, 39 anos, vaqueira desde 2019, contou ao BNC Amazonas que “ficava olhando os ensaios técnicos no curral. E havia apenas uma mulher, uma mulher! E quando eu vi que essa mulher não apareceu mais, eu corri pra fazer o teste. E passei e foi bem legal porque os vaqueiros foram bem receptivos. E, também, foi bastante positivo porque não havia mulher do lado do contrário [nesse item]. É uma felicidade ver o Garantido e participar de alguma forma. Hoje não me vejo em outro setor que não seja o da vaqueirada”.

Gleuba, 48 anos, vaqueira desde 2019, disse que quando criança prestigiava Janaína, sua vizinha, brincar na vaqueirada. Mas, não pensava em ser vaqueira.

Quando mais jovem, ela brincava, no então chamado “tribão” do Garantido, o grupo que executa as coreografias representando os povos indígenas. Recentemente, soube que havia duas mulheres brincando na vaqueirada por sua filha.

Uma delas era justamente Tania. “Eu disse: ‘Tem?’ Minha filha disse: ‘Vai lá’. Eu vim e gostei”.

Nota-se que o fato de verem uma mulher nesse posto, as fez compreender que também podiam fazer parte desse item que é símbolo de tradição e comunidade.

O peso da lança

A fantasia da vaqueirada consiste em um cavalinho feito de esponja e uma lança. Inicialmente, a lança era feita de madeira do tipo cedro.

Com o tempo, a lança foi ficando mais leve. Ainda assim, segue pesada porque a ponta passou a ser enfeitada de acordo com o tema da noite. Seu peso total pode chegar a 50 quilos.

O fato de serem pesadas servia de argumento para defender a ideia de que as mulheres não aguentariam a função de carregá-las. O que pode ser refutado pela presença de mulheres desde o início do festival, mesmo que mínima.

A crescente presença de vaqueiras no Garantido parece mais ser uma expressão da transformação da sociedade do que da capacidade das mulheres de suportar o peso das lanças.

Gleuba contou que se sentiu especialmente desafiada pelo filho. “Praticamente foi um desafio do meu filho, né? Ele falou: ‘A senhora não vai aguentar, não. Mas, quando? A senhora é metidinha a dondoca’. Pois eu disse: ‘Agora eu vou!’”.

Foto: divulgação

Ana Cris, 43 anos, vaqueira desde o ano passado, disse: “Os homens dizem que a gente não vai conseguir, que é pesada a lança, que a gente vai cair. Mas, a gente foi. E demos um show e conseguimos carregar a lança até melhor que muitos homens”, disse ela, apoiada pelas demais.

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As 13 guardiãs

Quando não estão na função de guardiãs do boi Garantido, as vaqueiras trabalham em profissões distintas. São donas de casa, professoras, médicas, entre outras. São elas:

  • – Gleuba da Silva, 48, dona de casa
  • – Francinelza Costa Silva, 42, doméstica
  • – Ana Cris Portilho, 43, técnica de enfermagem
  • – Gabriela Bessa, 26, médica
  • – Silvane Carneiro, 50, professora de educação física
  • – Herlen Santos, 32 anos, promotora de vendas
  • – Katriny Nogueira, 33, professora de educação física
  • – Albia Moutinho, 25 anos, professora de educação física
  • – Silvia Potter, 39, confeiteira
  • – Hilda Correa, 35, professora
  • – Dilciara falcão, 24, pedagoga
  • – Tânia Lira, 48, costureira e artesã do boi

De pai para filha

Tânia Cláudia Batista Lira é filha do vaqueiro Cláudio Lira, o Corujinha. Ela se vestiu de vaqueira pela primeira vez aos 5 anos, em 1980.

Ela acompanhava Corujinha e a mãe, dona Valda, que tocavam palminha na batucada, no antigo tablado, antes de existir o bumbódromo.

Foto: divulgação

Valda era parceira de dona Nêga, conhecidas parteiras da cidade.

Corujinha virou vaqueiro aos 25 anos e só deixou a função pouco antes de falecer, em 2022. A dedicação de Tânia à vaqueirada faz com que ela seja apontada pelos demais como a pessoa que assumiu o lugar do pai.

Antes mesmo de estrear como vaqueira na arena do bumbódromo, Tânia já trabalhava como artesã desse item e costureira.

Ela conhece todo o processo de construção, decoração e montagem da indumentária da vaqueirada.

Em 2015, Tânia, Tiago e Remídio trabalhavam na confecção de fantasias quando, na concentração do bumbódromo, faltaram vaqueiros para compor os 40 componentes mínimos obrigatórios.

Para que o boi não perdesse ponto, eles entraram na arena. Assim foi a sua estreia. A lança era muito pesada e Tânia se machucou.

“A minha perna ficou roxa, mas, nós não deixamos nossa vaqueirada perder pra outra”.

Tânia se acidentou um pouco antes do festival e não irá brincar neste ano, mas estarão Claudeizo Lira e Alaíson Lopes, filho e neto de Corujinha, e seu esposo, Arlen Pinto.

Mas, além deles, muitos filhos e netos de Corujinha brincaram na vaqueirada. São uma família de vaqueiros apaixonados.

Foto: Juliana Oliveira/especial para o BNC Amazonas