Páscoa não é passagem, é permanência

Páscoa

Aguinaldo Rodrigues

Publicado em: 01/04/2018 às 00:15 | Atualizado em: 01/04/2018 às 00:15

Por Thomaz Antonio Barbosa*

 

O que se comemora na Páscoa é a permanência do indivíduo em seu projeto de vida plena, de liberdade.

A Páscoa para o cristão é marcada pela ressurreição de Cristo, portanto, a permanência de Deus vivo no meio de nós.

Para os judeus, a data celebra a libertação dos israelitas da escravidão em que viviam no Egito. Por esse ato, Deus restituía a eles a liberdade. Não uma vida nova, mas o resgate da antiga, o direito de permanecerem livres, como sempre foram.

A Páscoa, definitivamente, teria seu início há, aproximadamente, quatro mil anos, com a ideia de Deus único e poderoso, maior que todos, capaz de tudo.

Essa descoberta mudou a história do mundo. As tantas divindades das tribos nômades, dos deuses egípcios, gregos e romanos foram reduzidas a curiosidades antropológicas.

Abraão seria a figura central dessa grande descoberta, o homem a quem Deus teria se aproximado e firmado com ele um pacto. O patriarca deveria fazer uma nova cidade e dela surgir uma nova nação. Em contrapartida, Deus faria sua descendência prosperar por toda a Terra.

Porém, assim como Abrão, Javé, o Deus único, não era um pai amoroso e de bondade como vemos surgir na figura de Jesus, o criador de uma nova corrente do judaísmo.

Com Abrão, a circuncisão e o sacrifício humano faziam parte do tratado de obediência e da contrição do homem com o Criador.

Com Jesus Cristo, o Pai assume a forma humana, no melhor de sua essência, com o compromisso de acolher, perdoar e restituir a dignidade de seus filhos.

Exatamente quando Jesus surge em Nazaré a descendência de Abraão, aquele que havia pactuado com Deus no início de tudo, estava sob domínio de Roma.

Automaticamente o Galileu assume a responsabilidade de restituir a liberdade de seu povo, tanto do fardo de Roma quanto do jugo dos sacerdotes judeus.

Reuniu discípulos, anunciou um governo em nome de Deus na terra, o reino dos céus, não o de Roma, e lançou-se no mundo pondo em prática o seu ousado projeto.

Com essa nova leitura – o Deus de amor e de bondades -, Jesus ameaça não somente as autoridades judaicas como também as romanas. Seu caminho natural, portanto, seria mesmo morrer na cruz.

O medo de Roma era perder o domínio sobre o território. Já os sacerdotes e membros do Sinédrio temiam ficar sem o dinheiro e as regalias que a manipulação da fé lhes rendia.

A dissidência do Messias se referia a um Deus de bondade provedor e não a um bárbaro que cobrava tudo em troca.

Por tais razões, quem acha que Jesus morreu na cruz pelo perdão das nossas transgressões precisa ler a Bíblia novamente. Ele morre na cruz por lutar contra o sistema, pela audácia de fazer o povo sonhar com um mundo de igualdade, sem injustiças, de partilha e comunhão.

Dessa forma, Jesus se torna um problema político para Roma e teológico para os judeus, o que acaba por ser a mesma coisa, haja vista que a rebelião causada pelo galileu propunha a reforma do judaísmo e a derrubada do governo de Roma, em detrimento da criação do reino de Deus na terra.

Em palavras mais curtas, o fim do politeísmo e a elevação do Deus único.

O pecado do mundo ao qual Jesus se referia era a promiscuidade romana, a ganância dos judeus.

Contra isso, Ele lutou; por essa causa, foi crucificado.

A ideia de que Jesus morre na cruz pelos nossos pecados contribui diretamente para a mercantilização da fé, para o surgimento de falsos profetas, para a instalação desse estado de barbárie em que vivemos, onde tudo é permitido: matar, morrer, furtar, pois para ter a reparação dos pecados, basta o indivíduo entrar na primeira igreja à sua frente – e são muitas -, dar alguns níqueis para um “ungido do Senhor” e sair dali limpo, pronto para errar de novo, tal qual faziam os sacerdotes judeus.

A morte de Cristo não é projeto de Deus, é consequência da sua atuação em defesa de um mundo melhor para os que viviam sob o jugo do Estado e de uma religião escravizante.

Com Abraão e Isaac é posto por terra o Deus de sacrifício.  Então, por qual razão retornaria exatamente com Jesus Cristo, contrariando tudo aquilo que a Ele foi revelado, e que nos deixou como herança: o amor ao próximo e o perdão?

Deus mataria Jesus na sexta para ressuscitá-lo no domingo somente para provar que tudo pode?  E por que, depois de ressuscitado, apareceria a poucos e ficaria tão pouco tempo entre nós?

Parecem-nos inócuas as razões.

Rogo a sabedoria divina para entender como um deus de amor pode retroceder milhares de anos em tão pouco tempo.

Desafiar Roma fazia parte do plano de Deus e ir às últimas consequências estava no arbítrio de Cristo. Então, Ele, com sua infinita glória, resolveu beber do cálice. O desfecho todos conhecem.

Passados mais de dois mil anos daquela fatídica sexta-feira em Jerusalém, o que nos deixa perplexos é ver que o homem dos nossos dias está mais próximo a Abraão, dos primórdios, do “dente por dente, olho por olho”, do que do Deus de bondade proclamado por Cristo.

Por fim, Páscoa assume o sentido de passagem por assinalar a superação de um período de turbulência com o propósito de permanecer fiel ao compromisso do homem com Deus.

E serás novo tanto o quanto se aproximar de seu filho que se colocou em sacrifício para a pudéssemos entender uma coisa simples: o amor vencerá e Jesus venceu por nós!

 

*O autor é contador, formado em ciências contábeis pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), MBA em marketing pela Universidade Gama Filho e mestrando em ciências empresariais na UFP/Porto, em Portugal.