A crise da democracia representativa

Segundo Lúcio Carril, "aqui no Brasil, a democracia liberal está levando o país a uma grave crise política, com dois lados opostos se engalfinhando como numa disputa entre o bem e o mal". Leia o que diz o sociólogo

A crise da democracia representativa

Ednilson Maciel, por Lúcio Carril*

Publicado em: 13/05/2025 às 14:47 | Atualizado em: 13/05/2025 às 14:47

Poderia ser risível se não fosse um escárnio a Câmara federal aumentar o número de deputados federais e, por conseguinte, as assembleias estaduais aumentarem suas bancadas. Justamente num momento de crise acentuada da democracia liberal no mundo.

Sim, a crise da democracia representativa liberal está posta há mais de um século. O modelo iniciou em meados do século XVII na Inglaterra, com a Revolução Gloriosa e a imposição de limites ao absolutismo, criando uma monarquia parlamentarista, e se espalhou pelo século XVIII, através do pensamento iluminista e a Revolução Francesa.

Chegou ao século XX com a força de uma formiga, carregando um peso maior do que supunha aguentar. Não demorou para fazer eclodir governos autoritários na Europa. No final da segunda década desse século, seu parceiro, o liberalismo econômico, pariu a Grande Depressão nos Estados Unidos, país conhecido como referência da democracia liberal.

A democracia representativa tem se mostrado frágil para garantir direitos coletivos. Foi importante para substituir as autocracias monárquicas, mas vem se apresentando como o problema causal da exclusão social e limitação dos direitos individuais e coletivos, imposto por instituições colapsadas na sua capacidade de representação.

O sociólogo espanhol Manuel Castells, no livro Ruptura: a crise da democracia liberal, resume com clareza essa crise, ao revelar que a democracia liberal criou um distanciamento entre governos e cidadãos. As eleições não têm sido suficientes para aprofundar a representação, pois os representantes terminam por constituir um grupo de interesses divorciado dos interesses dos seus representados:

“A política se profissionaliza, e os políticos se tornam um grupo social que defende seus interesses comuns acima dos interesses daqueles que eles dizem representarem”.

Isso ficou claro nos últimos anos no parlamento brasileiro. Deputados criaram instrumentos de ocultação do uso do recurso público, através do “orçamento secreto” e “emendas pix”, agravando o sistema representativo na proporção que votavam contra zerar impostos da cesta básica e pela retirada de direitos sociais conquistados nas últimas décadas.

A população tem se mostrado alheia ao processo eleitoral, como se o voto popular não fosse o responsável pela escolha dos seus representantes. Não existe um sentimento de pertencimento com a coisa pública. Essa descrença tem proporcionado a ascensão de governos autoritários no mundo, sob a bandeira da não-política.

Somam-se a isso, partidos políticos frágeis e um judiciário classista, composto por castas e enclausurado na vaidade dos seus agentes públicos.

Aqui no Brasil, a democracia liberal está levando o país a uma grave crise política, com dois lados opostos se engalfinhando como numa disputa entre o bem e o mal. De um lado, o liberalismo econômico e seu anseio de ter o Estado transformado em empresa, e de outro, segmentos políticos e sociais lutando para garantir direitos democráticos de um sistema em crise.

O mundo só vai sair do século XVIII quando começar a usar os novos recursos tecnológicos para construir uma democracia de participação direta do cidadão. A democracia participativa é uma exigência política e civilizatória dos nossos tempos. O poder à sociedade civil é o único caminho capaz de consolidar a democracia, impedir governos autoritários e garantir direitos políticos e sociais que assegurem participação do cidadão e da cidadã e bem-estar social.

Temos todos os instrumentos que possibilitam a democracia direta e no caso do Brasil, a Constituição de 1988 garantiu a participação popular nos destinos da nação. Infelizmente, até hoje apenas um plebiscito foi feito para ouvir o povo brasileiro sobre o sistema político. Temos as bases legais para avançar na consolidação de um regime político que ouça o povo, fortaleça as instituições e diminua a representação.

*O autor é sociólogo.

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