Indígenas na universidade ajudam país a rever postura autoritária
Livro de Edna Castro denuncia violência de religiosos e militares contra indígenas da Amazônia

Wilson Nogueira, da Redação do BNC Amazonas
Publicado em: 12/05/2025 às 18:00 | Atualizado em: 12/05/2025 às 20:41
A professora emérita da Universidade Federal do Pará (UFPA) Edna Castro disse neste dia 10 de maio, em Manaus, que a presença de indígenas nas universidades ajuda o Brasil a mudar a sua postura racista, autoritária e colonizadora ainda persistente.
Ela lançou, na Valer Teatro, o livro “Povos do alto rio Negro e dominação colonial: na contracorrente de missões, missionários”, um dossiê elaborado em 1977, até então confidencial, para denunciar a violência material e simbólica de religiosos e militares contra os indígenas da região.
A obra é assinada também pelos pesquisadores Joaquim Barata Teixeira, Valdecir Palhares e Antônio Maria de Souza Santos, autores do documento financiado pela Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).
Edna e equipe foram contratadas e orientadas pela contratante a fazer um relatório “mais econômico que social” do alto rio Negro, no estado do Amazonas, sem entrar em detalhes sobre suas populações.
Mas, o resultado da “missão” foi um documento com informações gerais, depoimentos, fotografias obtidas diretamente dos indígenas e não indígenas a respeito da educação jesuítica e da doutrina militar autoritária do Exército brasileiro.
O dossiê, inclusive, contribuiu com a sustentação jurídica que resultou na condenação do Brasil no Tribunal Penal Internacional (TPI), com sede em Haia, nos Países Baixos, por prática de genocídio contra vários povos indígenas brasileiros.
Para Edna, o documento, vazado à militância de defesa dos direitos humanos, contribuiu com o papel de esclarecer, por meio da voz dos próprios indígenas, o processo de violência generalizada que os atingia.
“De lá para cá, muita coisa mudou, principalmente porque os indígenas lutaram para que isso acontecesse”.
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Desafio da mudança
No alto rio Negro vivem ao menos 23 etnias, que também são, desde a chegada do colonizador europeu, desafiadas a preservar a si mesma e suas culturas diante da imposição do jeito de viver dos seus algozes.
“Houve mudanças na educação no alto rio Negro porque as organizações indígenas se colocaram contra essa forma de educação que era ministrada pela prelazia salesiana e conseguiram revertê-la, por exemplo, com escolas indígenas e professores indígenas nas aldeias”, disse Edna.
Essa mudança, na opinião da pesquisadora, resultado de muita luta e organização política, proporcionou uma outra política educacional.
De acordo com Edna, até então os indígenas “eram educados” em escolas que desrespeitavam suas culturas e modo de viver, com currículos e regras impostas pelo estado autoritário.
Uma das conquistas dos indígenas do alto rio Negro, por meio das suas entidades representativas, foi a implantação de escolas indígena nas aldeias com professores indígenas, o que provocou mudança nos procedimentos das secretarias municipais de educação.
“Foi uma luta intensa e longa. E eles, de certa forma, foram pioneiros nesse processo de construir uma nova política educacional indígena, que acabou ocorrendo em todo o Brasil”.
Em razão disso, Edna lembra que universidades, como as federais do Pará e do Amazonas (Ufam), têm políticas de inclusão de indígenas no processo seletivo universitário.
“Assim, a universidade se abre aos povos originários, o que já deveria ser feito há muito tempo. Hoje vemos em sala de aula inúmeros jovens indígenas abraçando uma carreira, se preparando, apresentando trabalhos, enfim, trazendo essa realidade indígena presente na vida universitária”.
A professora acentua que a universidade chegou atrasada nesse quesito, mas chegou: “Pelo menos estamos doutorando inúmeros indígenas; e essa é uma possibilidade que se abriu e que nunca mais se fechará. Podemos estar atrasados no processo, mas estamos no caminho”.
A propósito, Edna argumenta que as conquistas indígenas na educação ajudam a mudar o perfil autoritário, racista e colonizador que ainda persistem.
“A presença do movimento indígena na cena política nacional ajuda a mudar – e muito – o lugar dos povos indígenas na vida nacional em toda as áreas: na ciência, na comunicação, na cultura e, sobretudo, na política”.
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Conhecimento indígena
A professora aposentada da Ufam Marilene Corrêa, uma das participantes do lançamento, também destacou o protagonismo dos indígenas no refinamento dos seus próprios conhecimentos, enquanto a universidade desempenha o seu papel, por meio de diálogo, de reconhecê-lo e legitimá-lo.
“Eles se apropriam de linguagens, conceitos e narrativas de recuperação de processos históricos simbólicos e socioculturais e, assim, podem traduzir para nós sobre como esse conhecimento é repassado de geração em geração”.

Marilene afirmou que, nesse contexto, não é à toa que a universidade é o lugar da diversidade e o laboratório vivo milenar que se reinventa e se purifica na interpretação dos conhecimentos universal, regional e local.
“Quando a Ufam criou as cotas para indígenas, elas não eram legais. Ninguém foi preso por isso, mas fomos muito criticados por áreas vizinhas. Hoje os indígenas não só reivindicam as cotas como lutam por espaços na estrutura da universidade”.
A professora afirmou ainda:
“E se a universidade não se colocar nesse lugar de escuta e avanço, ela será arrastada pelas forças históricas”.
Fotos: Wilson Nogueira/especial para o BNC Amazonas