Amazônia: Kopenawa lota Ufam para mestrado de ianomâmis

Mais de 800 pessoas prestigiaram "Palavras de um Xamã Ianomâmi".

Davi Kopenawa

Bruna Lira, da Redação do BNC Amazonas 

Publicado em: 23/04/2025 às 12:30 | Atualizado em: 23/04/2025 às 12:30

A ilustre e inédita presença do intelectual e ativista indígena Davi Kopenawa reuniu mais de 800 pessoas na Ação Acadêmica promovida pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

A solenidade ocorreu na terça-feira, 22 de abril, no auditório Eulálio Chaves, o maior da universidade, localizado no setor sul do campus. Além disso, a presença de Kopenawa na universidade pública brasileira representou um marco histórico para a educação indígena na Amazônia.

O evento foi realizado pelo Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia (PPGSCA), em parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM).

Ação Acadêmica UFAM
Foto: Brna Lira/BNC Amazonas

Ação Acadêmica

Pela primeira vez, o líder e xamã Yanomami Davi Kopenawa participou de um evento acadêmico, atuando como membro externo da banca de mestrado. Organizada com esse propósito, a Ação Acadêmica teve como objetivo celebrar as defesas de dissertação de três mestrandos ianomâmis — Odorico Xamatari Hayata Yanomami, Edinho Yanomami Yarimina Xamatari e Modesto Yanomami Xamatari Amaroko — oriundos do Médio Rio Negro, da comunidade Balaio, no município de Santa Isabel do Rio Negro.

Além disso, trata-se da primeira vez em que indígenas ianomâmis concluem o mestrado na Amazônia brasileira. Esse feito é histórico e reforça, de forma decisiva, o protagonismo dos povos indígenas na educação superior.

Ao longo do evento, estudantes, professores, lideranças indígenas e representantes de diversas instituições ocuparam o auditório para ouvir Kopenawa.

Ele é uma das vozes indígenas mais respeitadas no Brasil e no mundo. Coautor dos livros A Queda do Céu — já traduzido para sete idiomas — e Espírito da Floresta, Kopenawa tem sido um símbolo da luta Yanomami por dignidade, território e reconhecimento.

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Receptividade

Sua chegada foi marcada por aplausos e entusiasmo. Além disso, o público o ovacionou. Em seguida, ele foi recebido com apresentações culturais dos bois Garantido e Caprichoso, além da Ciranda Tradicional de Manacapuru. As expressões culturais amazônicas abriram o evento com alegria, beleza e força simbólica.

Logo depois, veio o momento mais esperado: a fala de Davi Kopenawa. Ele iniciou saudando o público em língua ianomâmi e, em seguida, traduziu suas palavras. A tarde foi dedicada a ele. Com firmeza e serenidade, abordou temas centrais da atualidade: a presença dos indígenas nas universidades, a valorização dos saberes tradicionais e a relação entre humanidade e natureza.

“Nós não estamos preparados. A universidade é importante. Vocês [homem branco] já têm escola e saúde e é importante a gente ter esse apoio. É muito importante para a gente também ter. É importante para a gente se preparar e defender os nossos direitos. Precisamos valorizar o nosso modelo e nosso costume”, disse ele ao BNC Amazonas.

Veja o vídeo:

Para ele, o acesso dos Yanomami à universidade deve servir à coletividade. O conhecimento adquirido deve retornar às comunidades.

“O jovem Yanomami que já entrou na universidade para representar o povo Yanomami. O povo Yanomami ainda não sabe o que é a universidade, mas aquele que entrar e vai aprender, aprendendo, ele vai voltar para contar para as comunidades”, declarou.

Kopenawa viajou a Manaus a convite do PPGSCA. Ele veio para participar das bancas dos primeiros ianomâmis formados como mestres pela UFAM. Esses alunos integram a turma fora de sede do programa, sediada em São Gabriel da Cachoeira.

Além disso, esta foi a primeira vez que Kopenawa atuou como arguidor em uma defesa de mestrado. Ele compôs a banca ao lado de outro doutor indígena e de professores do programa. A ocasião reforça o avanço da presença indígena na pós-graduação brasileira. Também mostra que os povos originários não querem mais ocupar apenas alguns espaços. Por isso, eles desejam atuar como médicos, geólogos, professores, pesquisadores — e trilhar caminhos próprios em diversas áreas do conhecimento.

Ao final de sua fala, Kopenawa deixou um alerta direto. Suas palavras ecoaram como profecia e advertência.

“Sem índio vocês vão sofrer, sem água vão sofrer, sem ianomâmi vão sofrer”, concluiu.

PPGSCA

O coordenador do PPGSCA, Caio Augusto Teixeira Souto, celebrou a presença de Davi Kopenawa e destacou a importância do momento. Para ele, o evento representou um marco para o programa e surpreendeu pela dimensão do público presente.

“Foi uma energia muito contagiante, sentir o maior auditório da nossa universidade vibrando com pessoas de diversos segmentos da sociedade reunidas para apreciar a fala dessa grande liderança. Tínhamos planejado fazer esse evento num auditório menor, tivemos de alterar o local por conta da procura, e mesmo assim encheu”, afirmou.

Além disso, Souto frisou que a presença de Davi e a conquista dos três mestrandos ianomâmis consolidam um capítulo importante da educação indígena no país. Ele destacou que o programa é interdisciplinar, está enraizado na Amazônia e valoriza profundamente as temáticas indígenas.

“Davi desenvolveu os temas relevantes da sua luta ianomâmi e dos povos indígenas do Brasil, e se mostrou contente com a grande festa que preparamos para recebê-lo, com os bois bumbás de Parintins e a ciranda de Manacapuru. O programa mostra a sua importância a partir desta celebração e das dificuldades que foi para conseguir formar esses três ianomâmis. Me sinto honrado por estar em um programa dentro da Amazônia e que fale de Amazônia”, frisou.

Defesas

Os três mestrandos defendem suas dissertações hoje, 23 de abril, no Auditório Rio Solimões, setor norte da UFAM. As apresentações serão transmitidas ao vivo pelo canal do YouTube do PPGSCA.

Foto: BNC Amazonas