Os mortos gritam: sem anistia!
O elo entre esses mortos, vítimas do autoritarismo, da truculência, do descaso e da negligência, são os militares. Tanto na Ditadura quanto no governo do falso Messias

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*
Publicado em: 12/04/2025 às 00:01 | Atualizado em: 12/04/2025 às 04:45
Se o infame projeto de lei da anistia for aprovado no Congresso Nacional, representará uma segunda morte para os milhares de brasileiros assassinados pela Ditadura Militar. Assim, também, para os milhares que tombaram na pandemia de covid-19.
O elo entre esses mortos, vítimas do autoritarismo, da truculência, do descaso e da negligência, são os militares. Tanto na Ditadura quanto no governo do falso Messias, o Estado brasileiro foi comandado por militares da ativa e da reserva.
Não custa lembrar que, no último quadriênio presidencial, os militares assumiram a chefia de vários órgãos. Eles foram nomeados para diversos cargos, inclusive comandaram o Ministério da Saúde em plena pandemia de covid-19.
Um pesadelo
Os militares são o pior pesadelo dos brasileiros mortos e dos vivos. Tanto na Ditadura Militar quanto no governo do falso Messias, a necropolítica foi adotada como diretriz principal da gestão do Estado brasileiro.
Na ditadura, os militares prenderam, torturaram e assassinaram os que se levantaram para denunciar seus crimes e lutar pela volta da democracia. No governo do falso Messias, no comando do Ministério da Saúde, eles negaram a ciência, a gravidade da covid-19 e negligenciaram a compra de vacinas. Essa ação contribuiu para a morte de setecentos mil brasileiros.
Para piorar, como desgraça pouca é bobagem, para se manter no poder, planejaram e executaram, em parte, um novo golpe de Estado. A multidão que invadiu a sede dos três poderes em Brasília e a destruiu não agiu de maneira espontânea. Pelo contrário, foi cooptada, incentivada, financiada, motivada e convocada para tal ato.
Portanto, a proposição de uma lei de anistia, neste momento, além de ser inconstitucional, é imoral, pois não há causa justa que a justifique. O que há, de fato – e isso está fartamente documentado e comprovado – são práticas de crimes violentos. Nesse sentido, todos os que arquitetaram, financiaram e executaram precisam ser responsabilizados.
Sepulcros caiados
Nesse contexto, aqueles que saem às ruas para pedir anistia estão defendendo o interesse de criminosos. E os que apoiam tal pleito de dentro de seus gabinetes refrigerados procedem da mesma maneira. Todas essas pessoas, ainda que respirem, já estão mortas por dentro. São sepulcros caiados.
Dessa forma, é preciso que a insatisfação e a indignação dos vivos progressistas e democratas aumente. Os verdadeiramente vivos precisam gritar alto e uníssonos: “sem anistia para golpistas”! Sem anistia para reis e peões. Não pode ser diferente. Afinal, não é fácil conviver com o luto e com a injustiça.
Os verdadeiramente vivos, que acreditam e trabalham para a construção de um país soberano, democrático e justo, não podem se curvar e aceitar a aprovação de uma lei cínica. Essa lei anistia novamente militares e inclui outros criminosos. Como afirmamos, isso seria vitimar, mais uma vez, os brasileiros mortos, desonrando-os de maneira cruel e covarde.
Conclusão
Escrevo este texto em nome dos mortos. Eles, reunidos na eternidade, anseiam por justiça e exigem uma reparação histórica. Dá para ouvir as suas vozes. Eles foram vítimas dos que vestem farda verde-oliva, que usam coturnos e que tomaram de assalto o poder político do nosso país em duas ocasiões.
Em 1964, tomaram o poder por meio de um golpe direto. Em 2016, participaram ativamente do golpe jurídico-político que derrubou a presidenta Dilma Rousseff. E, em 2018, por meio de eleições livres e democráticas, chegaram ao poder. Porém, tentaram destruir o Estado Democrático de Direito. O dia 8 de janeiro de 2023 é a materialização de mais uma tentativa de golpe.
É importante lembrarmos que o golpe de 2023 chegou a ser executado em parte. O relatório da Polícia Federal indica que o ministro Alexandre de Moraes esteve bem perto de ser morto. Foi salvo pelo destino.
Diante desse cenário, é impossível pensar em anistia. Caso isso aconteça, os mortos serão obrigados a testemunhar o triunfo de seus algozes e o escárnio de uma justiça que lhes foi negada. Portanto, nós, os vivos, precisamos fazer coro com eles e gritar: sem anistia!
*Sociólogo