A maldição das fundações de apoio

Penso que o equilíbrio necessário a ser encontrado é a extinção das fundações e o resgate da autonomia universitária

arte Gilmal

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*

Publicado em: 29/03/2025 às 08:33 | Atualizado em: 29/03/2025 às 08:45

Thomas Almeida, procurador federal, em sua dissertação de mestrado, intitulada Fundações de Apoio – Regime Jurídico – Autonomia Universitária (2013) analisa com profundidade o tema das Fundações de Apoio Institucional, as chamadas FAIs. 

Almeida argumenta que essas fundações desempenham papel importante no apoio às atividades de pesquisa e extensão das universidades públicas. Entretanto, se, por um lado, elas podem permitir que as universidades acessem recursos financeiros adicionais e flexibilizem sua gestão, por outro, há riscos de uma excessiva dependência em relação às FAIs. 

Certamente trata-se de um tema polêmico, afinal, conforme o autor, as fundações de apoio são entidades de direito privado que financiam atividades de pesquisa e extensão em instituições públicas. Além disso, as fundações possuem regime jurídico complexo e, de certa forma, controverso, fato que tem gerado debates sobre questões relacionadas a sua autonomia e transparência.

A pesquisa de Almeida tem implicações importantes para o debate sobre o futuro das universidades públicas no Brasil. Segundo ele, é preciso encontrar um equilíbrio entre a autonomia universitária e a necessidade de transparência e responsabilidade na gestão das fundações de apoio.

Processos burocráticos e caros

Eu vou mais além. Penso que o equilíbrio necessário a ser encontrado é a extinção das fundações e o resgate da autonomia universitária. Autonomia e resgate no sentido amplo das palavras. Hoje, salvo raríssimas exceções, as fundações atuam como verdadeiras âncoras penduradas no pescoço de professores e pesquisadores das mais diversas áreas do conhecimento, principalmente no âmbito das IFES e IEES. 

Os processos de liberação dos recursos dos projetos (captados pelos pesquisadores, registre-se) são extremamente burocráticos, engessados, lentos, com taxas de serviços altíssimas. Dada a natureza da contratação, sem concurso público, ocorre, nas fundações, por incrível que pareça, a precarização e a sobrecarga de serviço, fator que favorece o turnover

Enfim, aquilo que a partir da década de 1970 nasceu para ajudar, no limite, acaba por atrapalhar o desenvolvimento da pesquisa e da extensão, bem como o crescimento e o desenvolvimento das próprias universidades, a cada dia menos autônomas, menos públicas e mais empresariais. 

Administrações paralelas

Ao comentar sobre o papel atual das fundações, Thomas Almeida afirma que:

 “o modelo, entretanto, desvirtuou-se dos seus supostos propósitos de auxílio às IFES e, ao longo dos anos, as fundações de apoio tornaram-se administrações paralelas à administração das universidades públicas, implicando em contratações de recursos humanos, sem concurso público, para suprir a carência de servidores, complementações salariais aos servidores públicos, ou mesmo compras e contratações de serviços sem a realização de um regular procedimento licitatório”. 

Concordo plenamente com o autor. Penso que o propósito original e o sentido de criação das fundações de apoio estão totalmente desvirtuados. Na verdade, hoje, as fundações são poderosas instituições atuando dentro das universidades, mas de forma paralela, com um grau de burocracia alto e transparência baixo, na minha opinião. 

Regime jurídico próprio

Como mencionado, as fundações possuem regime jurídico próprio; presidentes(as) que não são eleitos(as) pela comunidade universitária e praticamente não se reportam ao Conselho Universitário. São instituições que possuem vida própria, com pouca satisfação dada à sociedade. Recorrendo novamente ao texto de Almeida:

“as fundações de apoio começaram a executar não apenas as finalidades institucionais das universidades federais (ensino, pesquisa e extensão), como também começaram a aparelhar o instrumental administrativo dessas instituições públicas, com a contratação de recursos humanos e aquisição de bens e serviços da rotina administrativa. Em outras palavras, tornaram-se paralelamente a própria administração pública, mas em um regime de direito privado.

“Tornaram-se paralelamente a própria administração pública, mas em um regime de direito privado”. É esse o ponto que me preocupa. Afinal, quem veio primeiro, a universidade ou a fundação? Quem está, de fato, a serviço de quem? Legalmente, é a fundação que deve estar subordinada à universidade. Todavia, atualmente, salvo raras exceções, são as fundações que subordinam as universidades e seus pesquisadores aos seus caprichos burocráticos.

Conclusão

Não resta dúvida de que é preciso mudar a relação das fundações de apoio com as universidades. Não é possível aceitarmos tanta inversão de valores e propósitos. As fundações de apoio só existem por causa das universidades e não o contrário. Nesse caso, o inverso não é verdadeiro. As fundações deveriam ser propulsoras e não âncoras. 

É preciso, portanto, que se reconstrua, de forma coletiva, a autonomia das universidades. É grave o desmonte que vem ocorrendo nessas instituições, a começar pelo orçamento, cada vez mais diminuto e contingenciado. As universidades sofrem com todo tipo de dependência. A mais recente é a dependência de emendas parlamentares. Emendas parlamentares mais fundações burocráticas e sanguessugas são verdadeiras maldições.

Tenho dito! 

Sociólogo.