O que a Amazônia, a geografia e a arte têm em comum?
"Não pinto só paisagens. Pinto significados, experiências, surrealismos. Pinto os tempos cíclicos e acíclicos. Pinto os dramas, as dores... Pinto o devir".
Publicado em: 09/03/2025 às 09:33 |
Atualizado em: 09/03/2025 às 10:22
Pode parecer uma pergunta complexa demais para uma resposta imediata. No entanto, estudiosos que se dedicam a mediar as relações entre essas três categorias talvez possam lançar luz sobre essa percepção intrínseca. Ainda assim, pensar cada uma delas separadamente tampouco seria uma tarefa simples.
Foi justamente essa inquietação e paixão que levaram o professor e geógrafo Marcos Castro, 51 anos, a unir sua formação acadêmica, seu talento autodidata e seu habitat natural para desbravar possíveis respostas. Fez da Amazônia sua galeria a céu aberto e, das vivências, suas maiores inspirações.
Com cores e formas, ele descreve as curvas e a realidade amazônica, traduzindo em traços sua percepção singular da região.
“Escolhi retratar a Amazônia nos pincéis por ser um geógrafo amazônida. Unir geografia e pintura é uma forma de revelar a beleza da região, mas também seus problemas e necessidades. Pinto as coisas como as vejo e sinto. Pinto a beleza e a tragédia, da forma como o mundo e as pessoas são. A Amazônia, para além de uma visão exótica e imobilista, precisa ser vista pela ciência e pela arte, de forma crítica. A Amazônia integral: mulheres, homens, caboclos e indígenas”, descreve, entusiasmado.
Castro conta que os primeiros rabiscos surgiram ainda na infância e foram sendo aperfeiçoados com o tempo. Em 1993, começou a pintar de forma ainda muito simplória, mas foi nas artes gráficas que sua relação com as tintas se fortaleceu. Seu primeiro emprego foi justamente em uma gráfica, onde aprendeu sobre as cores primárias e as misturas que originam as cores secundárias. A partir dessa descoberta, nunca mais parou.
Trabalhou como comerciante e lecionou no ensino médio por seis anos. Nas horas vagas, pintava e vendia alguns quadros. Nos domingos dos anos 2000, costumava expor suas telas na calçada da Feira Eduardo Ribeiro, acompanhado de uma turma que conheceu por lá.
Em 2005, deu um passo a mais na carreira acadêmica. Passou a integrar o Departamento de Geografia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), primeiro como professor substituto e, mais tarde, como efetivo. Já são 20 anos na docência acadêmica, mas nunca abandonou a paixão pela arte amazônica. Ou, como ele mesmo define, é um “bígamo”, apaixonado pela geografia e pela arte.
Obra premiada e exposições
Em 2015, realizou sua primeira exposição oficial e recebeu sua primeira premiação com a obra O Desafio do Remador Amazônico. A pintura retrata a vivência do homem amazônico nas águas barrentas e negras da região.
“Minha primeira exposição oficial foi no final de 2015, quando ganhei o terceiro lugar no concurso de pinturas da Marinha do Brasil. Depois disso, fiz três exposições individuais e participei de 12 coletivas”, relembra.
Entre suas mostras individuais, destacam-se Geografia e Outros Olhares Amazônicos (2017), Amazônia em Formas e Cores (2018) e Os Caminhos Amazônicos (2019), realizadas em espaços como a Galeria HA (Shopping Ponta Negra), Hotel Intercity (Shopping Millenium) e Galeria Espaço Cultural (UFAM), com diferentes tempos de duração.
Obra: O desafio do remador amazônico.
Além das exposições, Castro desenvolveu séries temáticas que ganharam destaque. Entre elas, Sabedoria Amazônica e Portas da Amazônia. Esta última contém cinco quadros que exploram as portas em dupla dimensão, mostrando, por dentro e por fora, as particularidades dos olhares através das portas amazônicas. Para ele, não são apenas composições visuais.
“Não pinto só paisagens. Pinto significados, experiências, surrealismos. Pinto os tempos cíclicos e acíclicos. Pinto os dramas, as dores… Pinto o devir”, enfatiza.
Suas pinturas ilustraram, ainda, diversas capas de livros – autorais e não autorais –, tanto em versões físicas quanto em e-books. Também foram publicadas em revistas e coletâneas científicas na área da Geografia. Suas obras atravessaram fronteiras e hoje estão presentes em diversos países, como Inglaterra, Canadá e Alemanha, além de outros estados brasileiros.
Sofrimento
Mais do que transitar entre os caminhos da ciência e da arte, ele transforma sua subjetividade em uma objetividade do mundo vivido e sentido. Durante o auge pandêmico da Covid-19, assim que Manaus enfrentou a crise da falta de oxigênio, Castro expressou a dor em tela. Criou uma pintura que retratava um cilindro de oxigênio interligado ao fio da vida, sendo cortado pelo fogo – metáfora do poder –, impedindo o ar de chegar ao paciente. Dias depois, lamentavelmente, perdeu sua mãe e sua irmã para o vírus devastador.
Obra: O Apagar da Vida
“Essas pinceladas vieram de uma alma angustiada e impotente diante de tudo o que se vivia à época. Este quadro é o mais dramático que já pintei”, desabafa.
Apesar das perdas irreparáveis e das decepções cotidianas, é nesses sentimentos que o artista encontra inspiração.
“Meu melhor momento é o da solidão, da solitude, do silêncio. Vem o insight e começo a rabiscar. Depois, liberto na tela em branco as formas e cores”, explica.
Foto: Marcos Castro
E quem acha que suas melhores obras surgem apenas da introspecção, engana-se. Para ele, a música é um elemento essencial. Além de suas experiências e dos lugares que visita, sua inspiração vem também de cantores e instrumentos.
“Na maioria das vezes, ouço músicas clássicas: Mozart, Tchaikovsky, Beethoven, Paganini. Mas também aprecio jazz e músicas da era disco. A música inspira, dá força, confere movimento à arte de pintar”, destaca.
Embora seja ele o criador que materializa percepções em tons e formas, o verdadeiro protagonista é o olhar do espectador.
“A ideia é permitir que o espectador emerja na obra. Que se aproprie dela. Que seja livre para dar sua própria interpretação”, afirma.
E, depois desse percurso geográfico e artístico pela Amazônia, seria possível encontrar alguma resposta para a indagação inicial? Mas isso quem responde é ele:
“A Amazônia possui uma das geografias mais diversas do planeta, tanto do ponto de vista natural quanto humano. Uma extensa rede hidrográfica, a maior floresta tropical, comunidades, cidades… Tudo isso constitui a arte que a natureza formou há milhões de anos e que, por meio dos pincéis, tintas e telas, reproduzimos através de nossa interpretação no e com o mundo vivido. Nesse sentido, geografia e arte são dimensões da existência humana que compõem essa Amazônia”, conclui.