O empreendedorismo e o discurso oportunista

'Para ganhar a mente e o coração do(a) eleitor(a), não é aceitável um discurso conveniente e oportunista'. É o que defende o sociólogo Aldenor Ferreira, em seu artigo da semana.

O empreendedorismo e o discurso oportunista

Ednilson Maciel, por Aldenor Ferreira*

Publicado em: 01/03/2025 às 02:26 | Atualizado em: 01/03/2025 às 05:39

Inicio este texto questionando se, para a viabilização de uma candidatura ao Legislativo Nacional, deve-se lançar mão de toda e qualquer estratégia. O(A) leitor(a) pode pensar de forma diferente, mas, para mim, a resposta é não. Para ganhar a mente e o coração do(a) eleitor(a), não é aceitável um discurso conveniente e oportunista.  

Em uma campanha, a verdade, essa deusa que está quase morta, precisa prevalecer. É um momento importante para o exercício da pedagogia do esclarecimento. Nesse sentido, os partidos políticos e seus(suas) respectivos(as) candidatos(as) têm o dever de informar corretamente os(as) eleitores(as). No caso do Partido dos Trabalhadores mais ainda, pois isso faz parte da essência do partido. 

Não são empreendedores  

Nesse contexto, chamar trabalhadores precarizados, esfarrapados e bestializados de empreendedores individuais não só é um equívoco do ponto de vista sociológico, como também é um erro político que reforça a idiotia que tomou conta deste país nos últimos anos. No limite, essa fala reforça preconceitos e estereótipos, não informa o(a) trabalhador(a) corretamente e, pior, os(as) mantém presos(as) à ilusão de que são, de fato, empreendedores(as), mas eles(as) não são. 

O que eles(as) são? São trabalhadores(as) que vivem a fase mais aguda de flexibilização e precarização do mundo do trabalho, implementada, em grande medida, pelo neoliberalismo, uma das doutrinas políticas e econômicas mais perversas da história. 

Nesse âmbito, a ideia de empreendedorismo, de ser patrão de si mesmo, se resume a uma falácia neoliberal, já bastante denunciada e desconstruída por autores como Marilena Chaui e Ricardo Antunes. Portanto, um(a) candidato(a) que se diz de esquerda não pode reproduzir esse discurso, pois se trata da maior expressão de senso comum. 

É preciso dizer que só empreende quem tem capital, seja capital financeiro, cultural ou mesmo simbólico, para usar, aqui, conceitos de Bourdieu. O(A) empreendedor(a), portanto, é aquele(a) que dispõe desses capitais e que consegue investi-los, sem comprometer a sua sobrevivência, na abertura de algum negócio. Esse(a), sim, entra na categoria de empreendedor(a). 

Ele(a) pode ser micro, pequeno(a), médio(a) ou mesmo um(a) grande empreendedor(a). Todavia, aquele(a) que está totalmente desassistido(a), desamparado(a), privado(a) das condições materiais que garantem a própria sobrevivência física, esse(a) jamais pode ser enquadrado(a) como empreendedor(a). Os que conceituam dessa forma são os analfabetos funcionais da extrema direita. 

Nesse caso, a melhor conceituação e definição seria a de lumpemproletariado. É o que ele(a) é. Na verdade, ser motorista de aplicativo, vendedor ambulante ou realizar qualquer outra atividade do gênero não é projeto de vida, mas, sim, a única coisa que sobrou para ele/ela dentro de um sistema econômico cada vez mais perverso e restritivo. Para ele e para ela é isso ou nada!

Classe em Farrapos

Meu colega, o sociólogo e cientista político Lisandro Braga, em seu livro Classe em Farrapos: acumulação integral e expansão do lumpemproletariado (2013), traz uma importante contribuição para o tema. Ele analisa com precisão o processo no qual o crescimento do desemprego se vincula às mudanças históricas e estruturais do capitalismo desde os anos de 1980. Mostra como essa nova dinâmica do capital ampliou de forma significativa o lumpemproletariado. 

Braga afirma que o “capitalismo, ao longo de seu desenvolvimento, conviveu com a lumpemproletarização e dela dependeu; porém, a condição de lumpemproletariado, em diversos momentos históricos, era acompanhada pela possibilidade de retorno à condição de classe operária e/ou trabalhadora em geral”.  

Ainda segundo o autor, “na contemporaneidade, a possibilidade dessa massa enorme de indivíduos se proletarizarem novamente é cada vez mais difícil, apesar de ainda ocorrer, pois aquilo que anteriormente representava uma fase de transição – lumpemproletariado para proletariado – tem se tornado, durante a vigência do regime de acumulação integral, num ‘modo de vida’ de milhares de indivíduos em todo o mundo”.

Conclusão 

Concluo afirmando o seguinte: nobre candidato(a), eduque o(a) trabalhador(a). Essa também é a sua função. A pedagogia do Partido dos Trabalhadores não deve ser a de concordar e reforçar a idiotia reinante em nosso país. Pelo contrário, ela deve ser um farol para iluminar as mentes e os corações da classe pela qual nos propusermos lutar e defender. 

Precisamos exercitar a dialética do esclarecimento. Se adotarmos um discurso de conveniência eleitoral e falarmos apenas o que determinados segmentos querem ouvir, perderemos nossa identidade, abandonaremos nossas convicções e, pior, contribuiremos para a cristalização da falácia neoliberal do empreendedorismo. 

Se formos nessa direção, o que virá em seguida? Acaso iremos relativizar a forma geodésica da Terra de olho no eleitor bolsonarista que é terraplanista? NÃO, sou contra, radicalmente contra essa metodologia. Isso é baratear os conceitos. Portanto, nisso insisto, os(as) trabalhadores(as) de aplicativos não são empreendedores(as) individuais, são lúmpens, esfarrapados em busca da sobrevivência. 

Tenho dito! 

Sociólogo.