O ocaso de um artista que abraçou o fascismo

'A crônica revela um fenômeno recorrente em tempos de crise: a adesão de setores da intelectualidade e da arte ao fascismo'. Leia o que diz Lúcio Carril, apresentado por Herberson Sonkha

O ocaso de um artista que abraçou o fascismo

Artigo de Lúcio Carril, apresentado por Herberson Sonkha*

Publicado em: 10/02/2025 às 11:13 | Atualizado em: 10/02/2025 às 11:13

Na literatura, como na história, há personagens que simbolizam as contradições de seu tempo.

Em “O ocaso de um artista que abraçou o fascismo”, o sociólogo amazonense Lúcio Carril expõe, com precisão dialética e sensibilidade literária, a degeneração de um homem que, tendo emergido da cultura popular, renegou seu próprio passado para se tornar um propagandista da opressão.

A narrativa segue o declínio de um artista que, outrora símbolo da liberdade e da rebeldia, transita da arte popular para a defesa das mais hediondas formas de autoritarismo.

Carril constrói com ironia mordaz e melancolia crítica o percurso de um indivíduo que, ao abandonar os valores progressistas, não encontra apenas o isolamento social, mas o vazio histórico daqueles que se tornam lacaios da reação.

Mais do que um drama pessoal, a crônica revela um fenômeno recorrente em tempos de crise: a adesão de setores da intelectualidade e da arte ao fascismo.

Trata-se de um alerta, um chamado à reflexão sobre os perigos do revisionismo e da traição de classe, que não são meros desvios individuais, mas sintomas da decadência de um sistema que se defende com as armas da mentira, do medo e da violência.

A história julgará, como sempre julga.

E, como nos lembra Lúcio Carril, aqueles que abandonam o povo e a arte em nome da barbárie acabam condenados ao esquecimento – sem luar, sem canção e sem futuro.

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Nunca amou os Beatles e os Rolling Stones, mas se fez artista

Por Lúcio Carril

Com sandálias havaianas, calça jeans desbotada e cabelos soltos ao vento, perambulava pelas ruas da cidade carregando seu violão Giannini. Chamava atenção aquele homem de estatura mediana e estilo ripongo.

Nunca falou, mas deve ter sido influenciado pelo movimento hippie dos anos 1960, quando a juventude se rebelou contra o conservadorismo dominante. Pelo menos se vestia no mesmo estilo rebelde, despojado e desafiador.

E assim fez seu nome como artista. Construiu amigos e amigas, teve mulheres, filhos e filhas.

Era boa pessoa, carinhoso, atencioso.

O tempo passou. Ficou velho. Os cabelos maltratados não mais voavam ao vento. Já não andava mais com seu violão — “velho parceiro”, como ele costumava dizer.

Sempre o via caminhando, de cabeça baixa, olhar entristecido, sorriso amarelado. Não fazia mais shows, e seus amigos não sabiam se ainda compunha aquelas canções que acalentavam suas noites regadas a várias geladas.

Certo dia, todos se surpreenderam. O velho artista tinha se convertido à mais hedionda prática política e cultural: o fascismo.

Nas redes sociais, passou a defender a violência, a censura, a homofobia e todas as coisas que caracterizam o fascismo nos dias atuais.

Tornou-se implacável. De artista popular virou um militante reacionário, propagador de notícias falsas e seguidor de um líder enojado em todo o mundo.

Seus amigos e admiradores deixaram de ser seus amigos e admiradores. Aquele artista da paz, que lembrava o movimento libertário dos anos 1960, agora era um adepto dos horrores do preconceito e da mentira.

Era o ocaso de um artista.

Agora seu caminhar era titubeante, e suas noites não tinham mais luar.

O desbotado da sua roupa passou a significar o cinza da infelicidade, e suas sandálias simples pisavam nas orquídeas terrestres.

Triste fim. O artista largou a arte para mergulhar na lama pútrida do fascismo.

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Referências e direitos autorais

CARRIL, Lúcio. O ocaso de um artista que abraçou o fascismo. Blog do Sonkha, 2025. Publicado com autorização do autor.

  • Lúcio Carril é sociólogo, colunista do site BNC Amazonas (Brasil Norte Comunicação), com especialização em gestão e políticas públicas pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

** Herberson Sonkha é editor do Blog do Sonkha, espaço dedicado à literatura crítica e à análise marxista-leninista da cultura e da sociedade contemporânea.

Nota editorial

A presente publicação segue os critérios técnicos de edição acadêmica, garantindo a fidedignidade do texto original e sua correta formatação para fins literários e acadêmicos. Todos os direitos sobre o texto pertencem ao autor, sendo esta reprodução autorizada exclusivamente para o Blog do Sonkha.

Foto: reprodução/Alma Londrina