Como os ministros se posicionam em julgamentos cruciais
Pesquisa revela divisões ideológicas no STF, influenciando decisões e destacando impactos de fatores políticos e econômicos.

Diamantino Junior
Publicado em: 06/02/2025 às 14:23 | Atualizado em: 06/02/2025 às 14:24
A atual formação do Supremo Tribunal Federal (STF) apresenta divisões ideológicas que influenciam diretamente suas decisões. De acordo com um estudo conduzido pelo pesquisador Shandor Torok, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), os ministros se organizam em coalizões progressistas, conservadoras e centristas, a depender do tema julgado. O levantamento mostra que, além da orientação ideológica de cada magistrado, fatores externos como repercussão do caso, partes envolvidas e contexto político também afetam os posicionamentos.
O estudo analisou cerca de 1.500 processos julgados no plenário do STF, onde houve divergência de votos entre dois ou mais ministros. A metodologia aplicada, inspirada na análise da Suprema Corte dos Estados Unidos, permitiu a classificação dos magistrados em três principais grupos ideológicos:
Grupo conservador
Formado por Kassio Nunes Marques, André Mendonça, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Dias Toffoli, este grupo tende a decidir em favor de setores empresariais, endurecimento da legislação penal e flexibilização das regulações ambientais. Em temas econômicos e trabalhistas, esses ministros priorizam segurança jurídica e previsibilidade econômica, votando frequentemente a favor de empresas e do mercado.
Um exemplo dessa postura foi a decisão sobre o porte de armas para integrantes das guardas municipais. Os ministros conservadores votaram a favor da ampliação do direito ao porte, argumentando que fortaleceria a segurança pública e garantiria maior autonomia para os municípios.
Grupo progressista
Composto por Flávio Dino e Edson Fachin, esse grupo defende direitos sociais, garantias individuais e proteção de minorias. Em processos trabalhistas e ambientais, costumam votar em favor dos trabalhadores e comunidades vulneráveis. Na segurança pública, adotam uma postura mais restritiva quanto ao uso da força e ao armamento de agentes.
Em 2019, Fachin e Cármen Lúcia (então alinhada ao grupo progressista) foram votos vencidos na decisão que autorizou o porte de armas para guardas municipais. No julgamento da “ADPF das Favelas”, os ministros progressistas apoiaram medidas para reduzir a letalidade policial e restringir operações em comunidades carentes.
Grupo centrista
Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Cristiano Zanin compõem esse grupo, que adota um pragmatismo político. Dependendo do tema e do contexto, esses ministros podem se alinhar ora às posições progressistas, ora às conservadoras. Por exemplo, Barroso tende a se alinhar ao grupo conservador em questões econômicas e trabalhistas, enquanto Cármen Lúcia apresenta variações de acordo com a pauta.
Em decisões sobre a autonomia do Banco Central e segurança jurídica empresarial, Barroso votou a favor da estabilidade regulatória, unindo-se a ministros conservadores. Por outro lado, em pautas ambientais, sua postura foi mais restritiva quanto à flexibilização de normas de proteção.
Mudança
Um aspecto curioso revelado pelo estudo é que, em julgamentos de crimes contra a democracia, como os atos de 8 de janeiro de 2023, o STF apresenta maior homogeneidade. Ministros como Moraes e Gilmar Mendes, que usualmente adotam posturas conservadoras, se alinham ao grupo progressista para defender punições rígidas contra aqueles que atentam contra o Estado Democrático de Direito.
Casos como a condenação de manifestantes envolvidos nos ataques aos Três Poderes e a anulação do indulto de Daniel Silveira foram decididos com ampla maioria. Apenas Nunes Marques e André Mendonça defenderam uma postura mais branda para os acusados.
Outro julgamento relevante será o do inquérito sobre a tentativa de golpe de Estado em 2022, no qual o ex-presidente Jair Bolsonaro e aliados são investigados. Com a relatoria de Alexandre de Moraes, a expectativa é de uma postura dura, com possíveis denúncias e avanço na responsabilização dos envolvidos.
Fatores externos
Embora a ideologia seja um fator preponderante, o estudo também destaca a influência de fatores externos nas decisões do STF. A opinião pública, pressão política, cobertura da imprensa e a atuação de advogados renomados são elementos que podem impactar os julgamentos.
Casos emblemáticos, como a reviravolta na jurisprudência sobre prisão em segunda instância, ilustram essa dinâmica. Em 2016, o STF permitiu a prisão após condenação em segunda instância, o que resultou na detenção de Lula. No entanto, em 2019, com um novo contexto político, o Tribunal reverteu a decisão.
O cientista político Mateus Araújo, da Washington University, ressalta que a falta de transparência e a proximidade de ministros com setores influentes contribuem para a percepção de parcialidade do STF. “Os magistrados não podem participar de eventos patrocinados por empresas que têm processos no tribunal. Isso compromete a credibilidade da Corte”, alerta.
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A divisão ideológica do STF é um fator relevante para entender suas decisões, mas não o único. A influência de pressões externas, a dinâmica política e os interesses econômicos desempenham papéis fundamentais na formação dos votos.
Julgamentos de grande impacto previstos para 2025, como a revisão da Lei da Anistia e os processos ligados aos atos antidemocráticos, serão decisivos para consolidar o papel do Supremo no atual cenário político brasileiro.
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Foto: Gustavo Moreno/STF