Cid e o jogo duplo na delação premiada da trama golpista
Delator de Bolsonaro acusa a PF de distorcer seus depoimentos, mas evidências confirmam sua colaboração em revelar planos golpistas.

Diamantino Junior
Publicado em: 29/01/2025 às 16:37 | Atualizado em: 29/01/2025 às 16:37
A delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, trouxe à tona detalhes cruciais sobre os planos golpistas que ameaçaram a democracia brasileira em 2022. No entanto, desde que fechou o acordo com a Polícia Federal (PF) em agosto de 2023, Cid tem adotado um comportamento ambíguo: enquanto colabora com as investigações, também tenta minimizar sua participação nos fatos e atribuir má fé aos investigadores federais.
Em conversas privadas com pessoas próximas, Cid tem alegado que suas declarações à PF foram distorcidas para se encaixar em uma “narrativa pronta” contra bolsonaristas.
Ele chegou a afirmar, em gravações obtidas pela imprensa, que os investigadores não estariam interessados na verdade, mas apenas em confirmar suas suspeitas.
“Eles estão com a narrativa pronta. Eles não queriam saber a verdade, eles queriam só que eu confirmasse a narrativa deles”, disse Cid em um dos áudios.
Recentemente, um novo áudio vazado mostra Cid ainda mais irritado, acusando os investigadores de atribuírem a ele palavras que nunca teria dito. Em tom exaltado, ele nega ter usado o termo “golpe” em seus depoimentos: “Fala! Vou te dizer… Esse troço tá entalado, cara. Tá entalado. Você viu que o cara botou a palavra golpe, cara? Eu não falei uma vez a palavra golpe, eu não falei uma vez a palavra golpe!”.
No entanto, essa versão de Cid entra em conflito direto com as transcrições oficiais dos depoimentos registrados pela PF.
Em um dos interrogatórios, cuja íntegra foi revelada pelo jornalista Elio Gaspari, Cid confirma que Bolsonaro e seus aliados discutiam abertamente duas hipóteses para mantê-lo no poder após a derrota nas eleições de 2022: a primeira, encontrar supostas fraudes eleitorais; a segunda, convencer as Forças Armadas a aderir a um “Golpe de Estado”. A palavra “golpe” está claramente registrada nos relatos da PF, corroborando a gravidade das acusações.
Esse jogo duplo de Cid — de um lado, colaborando com a Justiça e, de outro, tentando desqualificar as investigações — já lhe causou problemas.
Em 2023, ele foi preso novamente por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), após violar as regras do acordo de delação ao discutir publicamente detalhes do caso.
Na ocasião, Cid alegou que suas declarações críticas à PF eram apenas “desabafos” e negou qualquer irregularidade por parte dos investigadores.
A contradição no comportamento de Cid levanta questões sobre suas reais intenções. Enquanto sua delação foi fundamental para elucidar crimes e levar à prisão de aliados de Bolsonaro envolvidos no planejamento golpista, suas tentativas de minimizar sua participação e questionar a credibilidade das investigações sugerem um possível arrependimento por ter entregado ex-companheiros.
Ainda não é possível ter uma visão completa do caso, já que os depoimentos e vídeos dos interrogatórios de Cid permanecem sob sigilo no gabinete do ministro Alexandre de Moraes.
Quando esses arquivos forem tornados públicos, será possível confrontar as duas versões de Cid e determinar qual delas reflete a verdade.
Enquanto isso, as provas colhidas até agora — incluindo informações recuperadas de arquivos apagados dos aparelhos do próprio Cid — continuam a corroborar a tese de que houve, de fato, um planejamento golpista.
A atuação de Cid, seja como delator ou como crítico das investigações, permanece no centro de um dos capítulos mais sombrios da recente história política do Brasil.
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A pergunta que fica é: até que ponto Mauro Cid está disposto a assumir sua responsabilidade nos fatos que ajudou a revelar? Ou, em vez disso, continuará tentando reescrever sua própria história, mesmo diante de evidências contundentes?
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Foto: RS/Fotos Publicas