A última jornaleira de Manaus
Há 18 anos, Anizete Holanda trabalha como vendedora de jornais no bairro Adrianópolis.

Wilson Nogueira, da Redação do BNC Amazonas
Publicado em: 24/12/2024 às 10:20 | Atualizado em: 24/12/2024 às 10:20
Anizete Silva Holanda, 73 anos, é uma das raras pessoas a persistir na atividade jornaleira em Manaus.
Antes das plataformas de notícias e das redes sociais digitais, os exemplares de jornais impressos, nos dias de manchetes bombásticas, voavam das mãos do gazeteiro para as dos leitores, nos cruzamentos de ruas com trânsito controlado.
Há dezoito anos, Anizete faz do cruzamento das ruas Marciano Armond e Recife (Adrianópolis) seu local de trabalho como vendedora de jornais.
Ela testemunhou jornais surgirem e sumirem do mercado, e lembra com saudade do faturamento nos dias de manchetes fortes.
Ela revela que permanece no ponto de venda porque, mesmo com a escassez de leitores, cultiva uma robusta rede de amigos, ex-clientes, que lhes estendem às mãos com “mimos” que vão de dinheiro a produtos da cesta básica.
Com venda de jornais, Anizete disse que fatura entre R$ 10 e 15 por dia “de comissão”, dinheiro que não é nada em relação às doações e ao carinho que recebe dos “amigos de longas datas”.
De repente, ela interrompe a conversa com a reportagem para receber uma sacola com cereais de uma “amiga” que estaciona o carro ao lado dela.
“É assim, elas sempre me socorrem”.
Na volta, adianta que, nos fins de semana, recebe quinze exemplares de A Crítica, quinze do Manaus Hoje e quinze do Amazonas em Tempo.
“Somente A Crítica e o filho dela, o Manaus Hoje, são entregues de terça-feira a domingo, regularmente”.
A jornaleira atribui à internet e à pandemia do covid-19 a morte da venda de jornais perto de semáforos.
Antes do domínio da “dona internet”, até por volta de 2005, os jornaleiros brigavam, diariamente, para receber ao menos cinquenta exemplares de cada título por dia.
“Em 2021-2022, a ‘dona covid’ matou de vez a venda de rua dos jornais”, testemunha Anizete.
Ela explica que continua na venda de rua porque sustenta dois filhos que tomam remédios controlados e até agora não conseguiram amparo do Instituto Nacional da Previdência Social (INSS).
“Eles são adultos, mas dependem de mim iguais a crianças”.
Além das doações dos amigos, Anizete recebe auxílio de programas sociais do governo, mas ressalta que esse dinheiro é insuficiente para pagar alimentos básicos e o aluguel de R$ 400 da kitnet em que mora com os filhos e um senhor com quem convive, que trabalha nas imediações do ponto de venda dela.
A jornaleira adianta que permanecerá nessa atividade até o desaparecimento do último jornal impresso.
Afinal, para ela, que é vítima de sequelas de acidente de trânsito e nunca passou no mercado regular de trabalho, as possibilidades de obter salário fixo para viver uma velhice digna são cada vez menores.
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Circulação restrita
Em Manaus, estão em circulação restrita a poucos exemplares os jornais A Crítica, Manaus hoje (tabloide), Amazonas Em Tempo, Diário do Amazonas, Dez Minutos (tabloide) e Jornal do Commercio.
As antigas bancas de jornais e revistas, ícones da era dos impressos, que não cerraram suas portas sobrevivem com a venda de caça-palavras, cigarros, serviços de plastificação, impressão e reprografia, produtos diversos de baixo preço. Outras vendem sanduíches, sucos e refrigerantes.
“Compro dois exemplares de a Crítica para não perder clientes que também vêm comprar outros produtos”, afirma o dono de uma banca da avenida Eduardo Ribeiro, no centro da cidade.
Aliás, nessa avenida, até por volta da década de 80 coração econômico de Manaus, funcionaram grandes jornais, entre os quais, o Jornal do Comércio, Diário da Tarde e O Jornal.
O Jornal do Comércio, fundado em 1904, pelo comerciante Rocha dos Santos, mudou-se para a avenida Santa Cruz Machado (Japiim) em 1980, quando ainda pertencia aos Diários Associados, condomínio liderado pelo legendário Assis Chateaubriand, que o havia comprado do empresário e intelectual Vicente Reis.
O JC, desde 1984, passou para as mãos do casal Guilherme Aluízio (falecido) e Selma Bonfim.
E, assim, quando os portais noticiosos se popularizaram, a partir do fim da década de 10 deste século, os impressos decaíram em suas tiragens por motivos óbvios: a veiculação quase instantânea dos acontecimentos por meio da internet.
O usuário de telefone inteligente tem agora a possibilidade de registrar, editar e distribuir notícias a um número inimaginável e indiferenciado de pessoas.
Como diz Anizete, nascida dois anos após a primeira edição de A Crítica, em 19 de abril de 1949:
“Estou perdendo para a dona internet”.
Logo em seguida, ela reflete:
“Ou não!”.
Afinal, ela está entre as pessoas que usam celular costumeiramente. Só tira o fone do ouvido para atender aos clientes e doadores.
Fotos: Wilson Nogueira/especial para o BNC Amazonas