Bioeconomia: transformar abstrato em concreto?

Conforme o autor, "não existe solução mágica para a Amazônia. Leva tempo, exige investimentos, tecnologia, perseverança e muita dedicação". | Leia no artigo do agrônomo Alfredo Homma.

Bioeconomia: transformar abstrato em concreto?

Ednilson Maciel, por Alfredo Homma

Publicado em: 05/12/2024 às 05:22 | Atualizado em: 05/12/2024 às 05:24

Na língua portuguesa, há dezenas de palavras que apresentam diferentes significados. Tomemos o exemplo da palavra manga: pode ser manga (camisa), manga (fruta), manga (pasto cercado), entre outros. Na revisão da bioeconomia, vamos encontrar mais de duas dezenas de interpretações, algumas de propriedades de instituições como a bioeconomia da FAO, da OCDE, entre outras.

A multiplicidade de sentidos de uma palavra ou locução é denominada de polissemia. Em outro extremo, no imaginário popular, devido à farta divulgação do termo que está sendo colocado como a solução para a Amazônia, as pessoas imaginam que vão ser lançados a partir da “floresta em pé” novos antibióticos, enzimas, perfumes, aumentar a oferta de pirarucu, castanha do Pará e de tucumã, ração para peixes, entre outros.

Logo depois da descoberta do Novo Mundo por Cristóvão Colombo (1451-1506), em 1492, os espanhóis embarcaram nas lendas da fantasiosa cidade de El Dorado, construída de ouro e prata, da Fonte da Juventude e do País da Canela. Juan Ponce de Leon (1460-1521), que chegou na segunda viagem de Colombo, em 1493, procurou tenazmente a Fonte da Juventude até a sua morte em 1521, na atual Flórida.

A polissemia da bioeconomia

A polissemia da bioeconomia não seria algo similar? Em um ambiente completamente polarizado e politizado em que se transformou a sociedade brasileira, a discussão de determinados temas tornou-se bastante complexa.

Ideias contrárias passam a ser taxadas de negacionistas ou fascistas. Muito do que está se propondo para a Amazônia decorreu do sucesso da polpa do açaí, imaginando que todas as frutas ou produtos da Amazônia vão ter o mesmo caminho. Por exemplo, o cupuaçu, que não ganhou a simpatia dos sulistas e dos consumidores externos. O guaraná não ganhou a simpatia internacional.

Outro questionamento que surge: o álcool de cana, a soja, o café, o leite, entre outros, é bioeconomia? A minha resposta é sim. A cana-de-açúcar, com a fotossíntese, cresce, é cortada e esmagada, e seu caldo é posto a fermentar, a partir do qual se obtém o álcool usado para movimentar os veículos e para limpeza. A vaca come capim e produz o leite utilizado na fabricação de queijos, iogurtes etc. Precisamos acabar com preconceitos e a xenofobia botânica e animal que permeia muitas dessas discussões.

O grande ministro da Agricultura Roberto Rodrigues sempre defendeu que deveríamos mudar o nome de bioenergia para agroenergia, pois são produtos produzidos pelos nossos agricultores, dos quais o álcool combustível é emblemático da agricultura brasileira.

Para aprofundar a questão da bioeconomia é importante entender que muitas plantas precisam ser cultivadas em monocultivos. Há plantas que não gostam de ficar à sombra de outras. Tente plantar laranjeiras, limoeiros, goiabeiras, pitaias, entre outras, sombreadas, para ver se conseguem produzir.

Mercado da angústia

Outra questão é que as culturas anuais precisam de grandes áreas para abastecer o mercado, ao contrário dos cultivos perenes. Em termos mundiais, o trigo é a cultura anual com maior área plantada no mundo (220 milhões de hectares), seguido do milho (203 milhões), arroz (165 milhões), soja (134 milhões) etc.

A cultura perene de maior área plantada do mundo é o dendezeiro (30 milhões), seguido de duas plantas amazônicas, a seringueira (14 milhões) e o cacaueiro (12 milhões), que foram fazer riqueza fora do país. No Brasil, tem-se exemplo similar com a soja (41 milhões), o milho (21 milhões) e as perenes, como cafeeiro (1,9 milhão) e a laranjeira (com menos de 600 mil hectares).

O Brasil é o maior produtor e exportador de café do mundo e também o maior exportador de suco de laranja. Culturas perenes com uma fração da área das culturas anuais já satura o mercado. Estamos colocando muita responsabilidade para os indígenas, quilombolas, ribeirinhos e demais populações tradicionais como detentoras da solução para a Amazônia.

Os indígenas exerceram papel muito importante na identificação de plantas alimentícias, medicinais, tóxicas, aromáticas, e na elaboração de técnicas de caça e pesca, entre outros. Foram os indígenas que fizeram a domesticação da mandioca e a cultivam há mais de 3.200 anos, transformando-a em fonte de carboidrato que hoje alimenta cerca de 700 milhões de pessoas no mundo. Ficou perdido nas brumas do tempo qual foi o primeiro indígena que pegou uma raiz de mandioca, uma planta venenosa, e disse que poderia ser transformada em um alimento.

Para transformar a biodiversidade da Amazônia em riqueza, precisamos de conhecimento que vai requerer modernos laboratórios e pesquisadores treinados, identificando princípios ativos para transformá-los em comprimidos, xaropes ou em produtos injetáveis. Caso contrário, ficaremos observando apenas o mercado da angústia e do aspecto folclórico das vendas de plantas medicinais.

Conclusão

Não existem soluções mágicas para a Amazônia. Tais soluções, antes, exigem pesados investimentos de médio e longo prazo, e são demoradas. Basta observar a experiência dos imigrantes japoneses que tiveram sucesso com as lavouras de juta, pimenta-do-reino, mamão Havaí, melão, entre outras. Modificaram a economia local, fizeram um ciclo de apogeu e declínio ou transplantaram para fora da Amazônia.

Há muitos produtos da biodiversidade amazônica, como a castanha-do-pará, o bacuri, o tucumã do Amazonas, o pau-rosa, o pirarucu, somente para citar como exemplos, cuja oferta extrativa já chegou no seu limite. Precisamos plantar 200 mil hectares de seringueiras, 50 mil hectares de castanheiras, 50 mil hectares de bacurizeiros, 50 mil hectares de açaizeiros, 3 mil hectares de tucumanzeiros, 40 mil hectares de pau-rosa, um milhão de hectares de reflorestamento, entre outros, que têm mercado, em um contexto de 15 anos.

O grande problema é que leva tempo. Se plantarmos castanheiras e bacurizeiros, precisaremos esperar de 15 a 20 anos para a plena produção. Esse é o grande dilema do discurso da bioeconomia na Amazônia. Precisamos dar sentido econômico na recuperação de APP e ARL. Prometemos na COP 15, em 2015, que iríamos reflorestar e recuperar 12 milhões de hectares até 2030. No país, não temos 10 milhões de hectares reflorestados.

Temos 5 anos para cumprir essa promessa e não se discute nada sobre sementes, mudas e viveiros. Mas nunca é tarde para começar. Repetindo, não existe solução mágica para a Amazônia. Leva tempo, exige investimentos, tecnologia, perseverança e muita dedicação.

*O autor é agrônomo, pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental/Universidade do Estado do Pará.

Arte: Gilmal