A natureza geme e espera a redenção
No atual estágio de desenvolvimento das forças produtivas capitalistas, é visível o gemido de toda a criação, de toda a natureza.

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*
Publicado em: 23/11/2024 às 04:00 | Atualizado em: 23/11/2024 às 06:55
Paulo, em sua epístola aos romanos, declara: “porque sabemos que toda a criação juntamente geme e está com dores de parto até agora”. De imediato, o que se pode extrair desse versículo é que há o reconhecimento de um agudo sofrimento de todas as coisas que foram criadas por Deus.
No entanto, podemos identificar também a esperança subjacente a esse sofrimento quando da analogia que ele faz com as dores de parto. Sabe-se que o parto, em todo o reino animal, é um processo extremamente angustiante e doloroso para as todas as fêmeas. No entanto, paradoxalmente, é um processo que culmina com a chegada do novo, com a renovação da vida, enfim, com o processo de perpetuação de cada espécie.
A analogia de Paulo é perfeita para o nosso tempo. No atual estágio de desenvolvimento das forças produtivas capitalistas, é visível o gemido de toda a criação, de toda a natureza. Há morte para todos os lados. Os cinco reinos definidos pela biologia (Monera, Protista, Fungi, Plantae e Animalia) estão sendo agudamente destruídos.
Falha metabólica
Certamente, essa destruição é reflexo da exploração desenfreada dos recursos naturais promovida pelo Capital. Uma exploração que produziu uma “falha metabólica” na relação entre a sociedade e a natureza, conceito elaborado por Marx e retomado por John Bellamy Foster no texto A ecologia de Marx: materialismo e natureza (2005).
Nesse âmbito, é possível constatar que o capitalismo promoveu a artificialização, a matematização e a redução da relação de homens e mulheres com a natureza a um simples cálculo monetário. O resultado dessa equação é o sofrimento de todos.
O planeta, cada vez mais ameaçado, e a sociedade, cada vez mais desigual, com coeficientes de pobreza e miséria em franco crescimento, gemem e aguardam por uma redenção. Por outro lado, a analogia com as dores do parto, feita por Paulo, indica que esse sofrimento não é o fim.
Como é de amplo conhecimento, assim como uma fêmea suporta as dores do parto na expectativa de trazer uma nova vida ao mundo, a superação do modo de produção capitalista pode trazer à humanidade a possibilidade de construção de um novo mundo, cuja base seja a igualdade, a fraternidade, a solidariedade e uma relação simbiôntica com a natureza.
Constatação e esperança
O texto de Paulo é uma chamada à reflexão acerca do papel da sociedade em sua relação com a natureza, com a criação. Como administradores/mordomos deste planeta, somos chamados a agir com responsabilidade, restaurando e preservando o que foi confiado a nós.
Ainda podemos dizer que o texto é uma constatação, mas é também uma mensagem de esperança. Mesmo que os gemidos sejam altos e as dores intensas, como no parto, é possível que os desdobramentos disso tragam renovação.A criação geme, mas ela também aguarda e anseia por redenção.
Nesse caso, precisamos ser agentes da transformação material e espiritual que pode fazer um novo mundo surgir. Isso perpassa diretamente pela superação do capitalismo e pela restauração da relação ancestral de homens e mulheres com o mundo natural.
Essa relação nem sempre foi fraturada e distante como agora. Pelo contrário, havia integração, como ainda pode ser visto nas práticas cotidianas de algumas populações tradicionais da Amazônia.
Conclusão
A relação entre a sociedade e a natureza foi socialmente fraturada pela força do Capital. Isso significa dizer que essa relação também pode se restaurar socialmente, desde que se mude o sistema. No capitalismo é impossível, pois a sua lógica é de exploração predatória.
Portanto, do ponto de vista material, a redenção da natureza só virá quando se estabeler uma nova racionalidade ambiental. A racionalidade capitalista, hegemônica, é uma racionalidade que pressupõe uma irracionalidade, que polui, degrada e destrói a natureza para a obtenção de lucro.
Nesse sentido, apenas a superação do capitalismo poderá inaugurar um novo mundo, uma nova relação de homens e mulheres com o mundo natural.
*Sociólogo
Arte: Gilmal