A barreira linguística na educação de migrantes e refugiados em Manaus
Migrantes enfrentam desafios linguísticos na rede de ensino de Manaus. Ufam lança edital pioneiro para incluir refugiados no ensino superior.

Diamantino Junior
Publicado em: 19/11/2024 às 17:55 | Atualizado em: 19/11/2024 às 17:58
Por Dassuem Nogueira*
Segundo dados da Secretaria de Educação de Manaus (Semed), de março de 2024, estiveram matriculados 251.926 estudantes no total. Desses, 243.846 são brasileiros.
A maior comunidade estudantil internacional da rede municipal de ensino é de venezuelanos, com 7.835 estudantes. No entanto, compondo menos de 3% da comunidade escolar do município.
Seguidos de números menores que 100 de estudantes colombianos (72); haitianos (55) e peruanos (35).
Independentemente de seu status legal (migrantes, solicitantes de refúgio, apátridas ou portadores de visto humanitário), os imigrantes têm direito a serviços como saúde, educação e previdência social.
Contudo, a cidadania plena é um desafio vivenciado entre o que está na legislação e o que ocorre na prática – não só para os imigrantes, mas também para os brasileiros.
Porém, os imigrantes encontram outra dimensão de desafios no acesso a serviços públicos, como a barreira linguística.
No caso dos imigrantes matriculados na rede municipal, podemos observar que o idioma falado pela maioria é o espanhol.
Considerando que o Brasil é o único país a falar português no continente americano, a convivência com a comunidade hispanohablante é uma ótima oportunidade de incremento linguístico para os estudantes manauaras.
Além disso, a língua espanhola faz parte do currículo escolar no ensino médio.
Em estudo publicado em 2023, na Revista Iberoamericana de Educación, sobre desafios enfrentados por estudantes imigrantes em uma escola de Manaus, Farias, Golin e Costa apontam que, “apesar de haver uma facilidade para efetivar a matrícula de uma criança imigrante, não se tem um sistema público de ensino – municipal e estadual – preparado para receber esses estudantes, nem mesmo um planejamento pedagógico com esse fim. O que se tem é uma visão etnocêntrica na qual o diferente é que tem que se adaptar de forma irrestrita à cultura de chegada, no caso a brasileira”.
No entanto, os autores destacam que mesmo sem uma política efetiva, há estratégias espontâneas de acolhimento, principalmente, iniciativas que partem dos próprios estudantes manauaras. Embora não resolvam, minimizam o impacto da barreira linguística, do isolamento e do bullying.
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Ufam abre edital para refugiados
No dia 13 de novembro, a Universidade Federal do Amazonas (Ufam) aprovou a realização do primeiro processo seletivo para ingresso na graduação direcionado a refugiados, solicitantes de refúgio, apátridas e portadores de visto humanitário.
As inscrições são gratuitas e estarão abertas de 3 a 13 de dezembro.
Serão oferecidas 220 vagas, sendo 148 para Manaus e 72 para as o interior.
A aplicação das provas será no dia 19 de janeiro. As provas serão aplicadas em língua portuguesa.
O link do edital está disponível no site ufam.edu.br.
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Um sonho antigo
Desde 2022, a Ufam integra a Cátedra Sérgio Vieira de Mello, um projeto do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) e de universidades brasileiras, que tem como objetivo apoiar pessoas refugiadas, solicitantes de refúgio com a realização de pesquisa, extensão e ensino sobre a temática.
Em conversa com o BNC Amazonas , o professor Sidney Antônio da Silva, do Departamento de Antropologia, coordenador da Cátedra desde sua assinatura, informou que a realização de um processo seletivo específico para esse público existe desde a chegada a Manaus dos haitianos em 2012.
Porém, não houve êxito e gerou frustração por parte dessa comunidade que gostaria de ingressar na universidade naquele momento.
“Após um longo período de luta e persistência, em 2022, o convênio com a Cátedra Sérgio Vieira de Melo foi assinado e, a partir de então, passou-se a discutir um edital para o ingresso desse público”.
Para o professor, “o preparo deles para fazer a prova em português é um desafio. Nós discutimos isso com a pró-reitoria de graduação, mas, por questões técnicas da realização do exame e correção de provas, não será possível realizar a prova em outras línguas, pelo menos em espanhol e inglês”.
Mas, o professor informou que a Ufam oferecerá aos estudantes aprovados aulas de português Instrumental para fins acadêmicos.
A compreensão do idioma das aulas e demais atividades acadêmicas é fundamental para o início e continuidade no curso de graduação para o qual será aprovado, de modo assegurar a permanência do estudante e a facilidade de sua inserção acadêmica e social.
“Esperamos que o processo seletivo tenha uma grande adesão e que muitos deles consigam vencer a barreira linguística e ingressar na Ufam”, disse o professor Sidney Silva.
*A autora é antropóloga.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil